Quando era pequeno, detestava os documentários televisivos sobre museus. Todas aquelas salas vazias, todas aquelas estátuas mortas. E a voz do locutor, mais morta que as estátuas. Quando aquilo começava, desligava o televisor. Tal como não gostava de olhas para quadros sem gente. De Chirico fazia-me medo e passava rapidamente a página da "Enciclopédia Verbo Juvenil" onde estava a sua tela.
Ontem à noite, tive de ir ao multibanco. Por ausência de opção, tive mesmo de ir. Foram, ao todo, 300 metros passeando dentro de um quadro de De Chirico ou de Sironi. O mais impressionante foi o silêncio total que desabou sobre Mértola.
Já o silêncio não é de oiro: é de cristal;
redoma de cristal este silêncio imposto.
Que lívido museu! Velado, sepulcral.
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto!
Um hálito de medo embaciando o vidrado
dá-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos.
Na silente armadura, e sobre si fechado,
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos.
Tão mal consegue o luar insinuar-se em nós
que a própria voz do mar segue o risco de um disco...
Não cessa de tocar; não cessa a sua voz.
Mas já ninguém pretende exp'rimentar-lhe o risco!
David Mourão-Ferreira
Ontem à noite, tive de ir ao multibanco. Por ausência de opção, tive mesmo de ir. Foram, ao todo, 300 metros passeando dentro de um quadro de De Chirico ou de Sironi. O mais impressionante foi o silêncio total que desabou sobre Mértola.
Já o silêncio não é de oiro: é de cristal;
redoma de cristal este silêncio imposto.
Que lívido museu! Velado, sepulcral.
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto!
Um hálito de medo embaciando o vidrado
dá-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos.
Na silente armadura, e sobre si fechado,
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos.
Tão mal consegue o luar insinuar-se em nós
que a própria voz do mar segue o risco de um disco...
Não cessa de tocar; não cessa a sua voz.
Mas já ninguém pretende exp'rimentar-lhe o risco!
David Mourão-Ferreira
Mario Sironi
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