segunda-feira, 30 de março de 2020

SIRONI EM MÉRTOLA

Quando era pequeno, detestava os documentários televisivos sobre museus. Todas aquelas salas vazias, todas aquelas estátuas mortas. E a voz do locutor, mais morta que as estátuas. Quando aquilo começava, desligava o televisor. Tal como não gostava de olhas para quadros sem gente. De Chirico fazia-me medo e passava rapidamente a página da "Enciclopédia Verbo Juvenil" onde estava a sua tela.

Ontem à noite, tive de ir ao multibanco. Por ausência de opção, tive mesmo de ir. Foram, ao todo, 300 metros passeando dentro de um quadro de De Chirico ou de Sironi. O mais impressionante foi o silêncio total que desabou sobre Mértola.

Já o silêncio não é de oiro: é de cristal; 
redoma de cristal este silêncio imposto. 
Que lívido museu! Velado, sepulcral. 
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto! 

Um hálito de medo embaciando o vidrado 
dá-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos. 
Na silente armadura, e sobre si fechado, 
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos. 

Tão mal consegue o luar insinuar-se em nós 
que a própria voz do mar segue o risco de um disco... 
Não cessa de tocar; não cessa a sua voz. 
Mas já ninguém pretende exp'rimentar-lhe o risco!

David Mourão-Ferreira

Mario Sironi

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