“No esplendor inigualável dos 70 mm e do som estereofónico total”. Era esta a frase publicitária que, há trinta anos, acompanhava o anúncio da reposição de velhos filmes nas salas de Lisboa. O formato dos 70 mm é hoje uma relíquia arqueológica. As salas onde esses filmes eram exibidos há muito que entregaram a alma ao Criador. O Império é uma igreja, o Monumental foi demolido, o Condes é um restaurante, o Tivoli encerrou.
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Muita da solidão e da timidez da minha adolescência foi passada nessas salas. No esplendor silencioso do 2º balcão desses templos imensos. A paixão pelo cinema nasceu aí. O hábito solitário de ver cinema consolidou-se aí. Não estranho recordar, portanto, tantos anos depois, que a primeira vez que convidei uma namorada para ir ao cinema tenha sido para a Cinemateca. E para ver Roma, de Fellini. Haverá sítio, e filme, menos provável para namorar ou beijar alguém? Admito que não. Tenho a certeza que não. Mas foi assim.
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Ir ao cinema, ou ao teatro, ou à ópera, converteu-se, desde a adolescência, num hábito próximo da devoção. E se no teatro ou na ópera o silêncio entre o público ainda impera, louvado seja Deus!, no cinema o esplendor inigualável do silêncio há muito foi eliminado. Com a rara excepção do King e de mais um ou dois sítios (agora não me lembro de quais, verdade se diga) as salas converteram-se em anexos do fast food dos centros comerciais. À entrada das salas os espectadores podem abastecer-se como se partissem para uma longa viagem. Baldes imensos atulhados de pipocas, garrafas de coca-cola de tamanho familiar. Gomas e pastilhas, pipas e batatas fritas. Que la fête commence. Os diálogos dos filmes são agora pontuados por schhhhlurrp! e scrontch! scrontch! A cada segundo. Tentem imaginar, por um segundo que seja, a silenciosa sequência da piscina, no Nostalgia, de Tarkovsky, no meio daquele festim. Revejam a cena final de Casablanca ao som da mastigação. Pensem no que é o mais belo flash-back da história do cinema, o regresso à juventude em Morangos silvestres, de Bergman, no meio do barulho das pipocas. Peço que façam o favor desse elementar exercício.
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Muita da solidão e da timidez da minha adolescência foi passada nessas salas. No esplendor silencioso do 2º balcão desses templos imensos. A paixão pelo cinema nasceu aí. O hábito solitário de ver cinema consolidou-se aí. Não estranho recordar, portanto, tantos anos depois, que a primeira vez que convidei uma namorada para ir ao cinema tenha sido para a Cinemateca. E para ver Roma, de Fellini. Haverá sítio, e filme, menos provável para namorar ou beijar alguém? Admito que não. Tenho a certeza que não. Mas foi assim.
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Ir ao cinema, ou ao teatro, ou à ópera, converteu-se, desde a adolescência, num hábito próximo da devoção. E se no teatro ou na ópera o silêncio entre o público ainda impera, louvado seja Deus!, no cinema o esplendor inigualável do silêncio há muito foi eliminado. Com a rara excepção do King e de mais um ou dois sítios (agora não me lembro de quais, verdade se diga) as salas converteram-se em anexos do fast food dos centros comerciais. À entrada das salas os espectadores podem abastecer-se como se partissem para uma longa viagem. Baldes imensos atulhados de pipocas, garrafas de coca-cola de tamanho familiar. Gomas e pastilhas, pipas e batatas fritas. Que la fête commence. Os diálogos dos filmes são agora pontuados por schhhhlurrp! e scrontch! scrontch! A cada segundo. Tentem imaginar, por um segundo que seja, a silenciosa sequência da piscina, no Nostalgia, de Tarkovsky, no meio daquele festim. Revejam a cena final de Casablanca ao som da mastigação. Pensem no que é o mais belo flash-back da história do cinema, o regresso à juventude em Morangos silvestres, de Bergman, no meio do barulho das pipocas. Peço que façam o favor desse elementar exercício.
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Foi em tudo isto que pensei há semanas quando comprei bilhete numa sessão da meia-noite, um reduto ainda relativamente tranquilo, para ver Agora, de Alejandro Amenábar. O filme é mediano. Mas ficou menos interessante quando o dramatismo da narrativa foi entrecortado pelo trabalho dos maxilares de outros espectadores. Sonho, cada dia mais, com o inigualável esplendor do silêncio. E com o dia em que abram cinemas onde, à porta, se coloque o aviso: “é expressamente proibido o consumo de pipocas e de refrigerantes nesta sala de cinema”. Podem ter a certeza que comprarei um lugar cativo.
Foi em tudo isto que pensei há semanas quando comprei bilhete numa sessão da meia-noite, um reduto ainda relativamente tranquilo, para ver Agora, de Alejandro Amenábar. O filme é mediano. Mas ficou menos interessante quando o dramatismo da narrativa foi entrecortado pelo trabalho dos maxilares de outros espectadores. Sonho, cada dia mais, com o inigualável esplendor do silêncio. E com o dia em que abram cinemas onde, à porta, se coloque o aviso: “é expressamente proibido o consumo de pipocas e de refrigerantes nesta sala de cinema”. Podem ter a certeza que comprarei um lugar cativo.
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Crónica publicada em A Planície no passado dia 1 de Janeiro.
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4 comentários:
A notícia que hoje partilho foi enviada pela Direcção da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura; Recreio e Desporto, que começa por se afirmar "surpreendida pela iniciativa de dois dos seus dirigentes - José Carneiro - Presidente do Conselho Fiscal e Fernando Vaz - Membro do Conselho Nacional que, às 18,00 do dia 5 de Janeiro de 2010, iniciaram uma GREVE DE FOME frente à Assembleia da República, ao cimo da Avenida D. Carlos I".
Mais adiante, revela-se que "Estes dois colegas, dirigentes de longa data, exigem do Governo a definição e aplicação da Lei 34/2003 de 22 de Agosto; a resposta à proposta de apoio ao Movimento Associativo 2009/2012; a participação da Confederação no CES - Conselho Económico e Social, no CND - Conselho Nacional do Desporto, no CNPV - Conselho Nacional de Promoção do Voluntariado e exigem da Assembleia da República o agendamento e a discussão das propostas de lei apresentadas pela Confederação às quais, alguns partidos ainda não se dignaram, tão pouco, acusar recepção".
Diz-se ainda naquela informação que tal situação não poderá manter-se por tempo indefinido, carecendo de resposta e medidas imediatas por parte das entidades competentes, "pelo que a Confederação apela que no mais curto espaço de tempo seja recebida e sejam dadas as garantias que o Movimento Associativo Popular, composto por mais de 17.000 Colectividades, 260.000 Dirigentes Voluntários e Benévolos e cerca de três milhões de associados, sejam ouvidas e tidas em conta as suas opiniões e reivindicações".
A finalizar "A Confederação solidariza-se com os seus colegas Dirigentes, responsabiliza as entidades que não correspondam a este apelo desesperado, mas justo e consciente dos nossos colegas e apela a todos os associativistas, a todos os voluntários e estruturas locais, regionais e nacionais que se solidarizem com os nossos colegas, apoiando-os no local e enviando apelos aos Órgãos de Poder político, nomeadamente ao Governo, à Assembleia da República e ao Presidente da República."
Esta notícia foi enviada ontem. A sede da CPCCRD situa-se na Rua da Palma, 248, em Lisboa e podem saber mais em:
www.confederacaodascolectividades.com
www.museudascolectividades.com
Considero uma maldade o exemplo do Tarkovsky. Pensar em ver o nostalgia ao som das pipocas é uma imagem tenebrosa.
Subscrevo plenamente !
Falaste do barulho incomodativo da mastigaçao das pipocas mas esqueceste-te do cheiro enjoativo que invade as salas.
Não é maldade, não! Julgo que dei bem a imagem do que se passa, até porque JSP refere, e bem, que a situação é tenebrosa.
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