domingo, 20 de maio de 2012

NATUREZA MORTA Nº 7

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

 

Todos nós já andámos assim, entre o sono e o sonho, como no poema de Fernando Pessoa. A única coisa que me escapa é o título deste quadro do simbolista Odilon Redon (1840-1916): Natureza morta - sonho. Podem os sonhos estar mortos? Ou estarão, quando muito, entre o sono e o sonho?

2 comentários:

Anónimo disse...

Pois não sei onde estão os sonhos. Talvez,
Por o Fio de Um Cabelo.

Abandono a casa o horto o lugar à mesa
o casaco de que gostava, sobre o leito dobrado
esta verdade quase banal
que toda a vida fui

Não abro a porta quando batem
(às vezes batiam só por engano)
não avalio o balanço das certezas
o que separa uma forma da outra
sempre me escapou

Ontem começava a clarear
o ar frio que vinha dos campos
julguei-o de passagem e afinal
era um segredo que meu corpo
de uma vez por todas contava
ao meu corpo

Mas quando tombei sobre a terra
perdido como o fio de um cabelo
(aqueles que primeiro caem
da cabeça de um rapaz
e por não serem notados
são mais perdidos ainda)
estavas junto de mim

Lançaste ao fogo cidades
afogaste os exércitos
no vermelho mar da sua ira
hipotecaste terras tão preciosas
para estares junto de mim


José Tolentino Mendonça
De Igual Para Igual

Santiago Macias disse...

bonito.
vou usar um dia destes.