Se uma coisa define o bicho-homem é aquilo
que come. E aquilo que procura e de que tem saudades. Aquela minha amiga achava
tudo maravilhoso em Las Vegas. Las Vegas, no Novo México, não no Nevada, que
esta é terra de jogo e perdição e casamentos à saída dos casinos. A minha amiga
achava, pois, tudo muito melhor que no cantinho natal. A escola, o ambiente, o
clima e os passeios. E a comida, claro. A comida era fantástica, deixando até a
léguas qualquer paparoca caseira...
Continua
tudo magnífico (podia dizer cinco estrelas mas odeio a expressão cinco
estrelas). Bom, quase tudo. Desaparecido o fascínio inicial por tudo, mesmo
tudo, fica aquela coisa do palato, que é por ele que começamos a sentir
saudades de casa. E que é sempre pelo ponto onde regressamos à infância.
Da
moça tão urbana – pizzas, mcnuggets (blagh!) e outros mcjunk – chega um mail
lancinante. Queria um pouco de presunto e um pouco de paio. E um pouco de pão.
Se possível de Monte Fialho, o monte no meio da serra de onde sai um daqueles
que já quase não há.
A
encomenda ficou por uma pequena fortuna. As carnes iam naquelas embalagens
modernaças, vácuo e tal, para não se estragarem e não federem. O pão – chega em
3-dias-3, minha senhora, disseram nos cê-tê-tê – num saco de plástico,
cuidadosamente dobrado. Imaginei sandes de presunto e de paio, partilhadas com
as colegas espanholas, em genuíno festim mediterrânico. Passa uma, duas semanas
e a encomenda chega. Quando vi a fotografia no facebook torci-me de riso. O pão
transformara-se numa colónia de bolor e nem o miolo se aproveitava para
manjar... Ainda assim, o paio e o presunto fizeram as delícias da colónia
mediterrânica, mesmo em sandes de mcbimbo.
Quando
em dezembro voltar à Pátria para as férias do Natal imagino reinvindicações
meridionais. O pão, o tal de Monte Fialho, mais o paio e o presunto. E o
queijo, aquele dos Cotéis ou o da Abelheira. E migas, claro, que é coisa que
não se faz com pão de plástico. Neste entretanto, uma coisa a minha amiga já
percebeu. Há, felizmente, patrimónios de infância que nunca nos deixam. Ela
poderá ter saído de Mértola para sempre. Mas há sempre qualquer coisa de
Mértola que nunca a deixará.
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