segunda-feira, 1 de abril de 2019

A MEMÓRIA DAS COISAS

Há tempos, um amigo, professor de História da Arte, fez-me notar a preocupação que sempre manifesto com a memória. Constatei depois que assim é. Que, ao longo da minha carreira, sempre tenho, de forma muito vincada, procurado sublinhar a importância do legado dos nossos antepassados. Sublinhar, resgatando, valorizando e contribuindo para deixar para as gerações futuras. Fi-lo, ou isso tentei, em funções muito diferentes, em Mértola e em Moura. Os impactos que isso causou e, sobretudo, as reações que essas iniciativas causaram foram muito interessantes. Algumas verdades se sedimentaram. Uma sobretudo, a do grande Duarte Pacheco Pereira (experiencia he madre das cousas, por ella soubemos radicalmente a verdade). A experiência de fazer, e a experiência que se vai adquirindo. A forma como se valoriza o Património, que é de nós todos e será de quem a seguir vier, diz muito dos valores políticos que temos, e daquilo que defendemos.
São interessantes as perceções que temos do Património. Por isso me recordo tão bem daquela manhã abafada e quente do final de dezembro de 1999. Alguém nos arrastou (ao Carlos Fabião e a mim) até à Elm Street - a última rua onde J.F. Kennedy passou, e a que deu o nome ao filme... -, para vermos a John Neely Bryan Cabin. A cabana estava no meio de uma esplanada. De longe, parecia isolada e sem charme. De perto, era pior ainda. É um local histórico, que representa o sítio onde morou o fundador de Dallas. A falácia é dupla. O edifício já não é o original, construído em 1841 e há muito desaparecido, nem estava exatamente naquele sítio. Pouco importa. Os texanos fizeram da memória do sítio aquilo que conta. Ou seja, criaram uma recordação da origem da cidade.
Temos coisas mais impressivas por cá? Temos. De melhor qualidade arquitetónica. E simbolicamente decisivas para todos nós. Olhando as terras do nosso concelho, e antes de 1841, que temos nós? Torre dos séculos XII, XIV e XVI, no castelo de Moura. Igrejas de interesse em todas as localidades. Arquitetura civil notável a partir do século XVI. Casas apalaçadas que fizeram do centro histórico da cidade aquilo que ele é.
Nem tudo é recuperável ou musealizável ou pode ser conservado. Esse é um facto. Há, contudo, responsabilidades coletivas, que são antes de mais políticas, que nos obrigam a conservar a memória das coisas e dos sítios. Isso inclui recordar os que combateram pela Pátria, os edifícios que trazem consigo o peso da História, factos ocorridos em determinada data ou local. Um Futuro não se constrói sem se fixar o Passado.
O que liga a valorização e a recuperação de imóveis é a mesma linha de atuação e traduz-se em esforço, empenho e na obrigação de dignificarmos a memória dos que nos antecederam. Nada mais simples. De Dallas a Moura a distância é curta.


Crónica publicada hoje, em "A Planície".

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