segunda-feira, 29 de abril de 2019

MUNDO ARCAICO

Numa recente conversa com Manuela Barros Ferreira, disse-me "tens de ler o meu texto sobre rezas, que está no facebook". Li quase de seguida, pensando "tenho de aqui voltar". Transcrevo dois excertos:

Cada vez mais esquecidas andam as rezas que fora da Igreja se recitavam, acompanhando gestos de bênção ou de exorcismo. Até certo ponto, elas contrastam com as orações que na catequese, ou mesmo antes, se aprendem.


Julgo que as rezas populares estão em vias de desaparecimento. Já não há transmissão de crenças e saberes, não há camponesas tradicionais nem ranchos de filhos que tinham de ir buscar fortuna fora da escassez do povoado, mas a quem era incutida a esperança de encontrar no caminho um Ente excepcional que os ajudaria. As raras crianças que nascem no interior continuam a ir embora, mesmo sem isso. Outros tempos.

O regresso a este belo texto foi marcado pelas recordações infância. "Este rapaz está olhado", decidia a tia Ana. E ela e a avó Perpétua armavam-se com um pequeno coto com um pavio, a que puxavam fogo, mais um pires e água e azeite. A reza parecia-me infindável, eu cabeceando com sono, no meio de um palavreado indecifrável. Isto repetiu-se muitas vezes, justamente no nº. 34 da Avenida da Salúquia.

A avó Perpétua e a tia Ana já cá não estão. Já não há camponeses na família. Nunca soube que diziam. Que reza era aquela. Que palavras mágicas pronunciavam e me guareciam. As palavras perderam-se. Ficaram, para sempre, noutro tempo.

Sem comentários: