Nem sequer sei se a Sarah morreu. Na minha boa fé estou convencida de que há dois anos atrás ainda estava viva porque creio tê-la visto entrar no átrio do St. Francis Hotel, em San Francisco, e dirigir-se ao balcão da recepção.
Mas era a Sarah? A minha vista já então estava a ficar pior e não posso ter a certeza. Ao dirigir-me para a mulher que julguei ser Sarah, ouvi de facto aquela voz - a Sarah tinha uma maneira estranha de falar, como se as palavras não prestassem ou desse muito trabalho. Aquela que podia ser Sarah viu-me, sorriu-se para alguém atrás de mim e afastou-se. Um homem meteu-se de permeio e quando cheguei ao balcão da recepção e perguntei à empregada, uma rapariga morena e exótica, quem era a senhora que estava à frente do intrometido, ela disse que não sabia a quem me estava a referir.
(...)
Dois dias depois telefonaram-me da Western Union a dizer que não havia nenhum Cameron no telefone indicado no telegrama. Disse-lhes que tinha de haver e eles disseram que não havia. Marquei o número do Cameron, na Califórnia, e atendeu um homem. Perguntei pelo senhor Carter Cameron. O homem respondeu que não conhecia o senhor Carter Cameron, que era um operário que andava a pintar a casa. Eu disse que a casa pertencia ao senhor Cameron. Ele disse que nunca tinha ouvido falar no senhor Cameron. Eu disse que a casa pertencia ao senhor Cameron. Ele disse que nunca tinha ouvido falar no senhor Cameron. Desliguei.
Estas duas passagens, a primeira quase do início, a segunda a de fecho, pertencem ao livro Talvez, de Lillian Hellman (1905-1984). Incerteza e dúvida, desencontros sucessivos. Ambiguidade e memória. É esta, ou parece-me ser, a essência desta pequena ficção, escrita em 1980. Comprei o livro em 1986, em tempos como os de hoje, marcados por incertezas e dúvidas. Tornou-se-me, com o tempo, insubstituível.
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A edição é da Relógio D'Água. O livro está disponível por 4,5 € em www.wook.pt
2 comentários:
Maybe is better than never.
Good decision.....
Pois é, dúvidas, incertezas... é assim que muitos de nós estamos em Mértola, angustiados até. A diferença é que a nós faltam-nos opções e a si sobram-lhe... Quem é que o manda ser bom em tantas coisas? Ter que escolher entre duas coisas que se gosta é dificil, mas agora imagine, o meu amigo, ter que escolher sem gostar de nada, triste, não é?
Pois é, mas se nos tivesse dito "maybe" tudo seria diferente... tristezas à parte desejo-lhe boas decisões...
abraço
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