quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"PARA O PESSOAL AQUI DA METRÓPOLE..."

Foi na Festa do "Avante!" de 1985. Estava a decorrer uma daquelas jornadas de combate ao racismo e ao colonialismo. Houve debate e, no final, teve lugar um momento de animação musical. O moderador e apresentador era o actor Canto e Castro, já falecido. O grupo musical era o Sossabe, constituído por cabo-verdianos imigrantes. Estavam, isso via-se na cara deles, felicíssimos com aquela oportunidade. Tocaram, com alma, talento e sentimento, coladeras e funanás. O melhor momento estava para vir. Um dos músicos chega-se ao microfone e anuncia: "e agora, temos outra música preparada, que é mais ao gosto do pessoal aqui da Metrópole". Vi caras empalidecerem com violência e bandeiras vermelhas perderem o fulgor... E eles , descontraídos, tocaram um fadinho em ritmo de coladera - penso que o Tudo isto é fado, mas a memória pode trair-me -, com enormes sorrisos. Que tinham, na plateia, a resposta da boa disposição de um bom punhado de presentes. Eu incluído. No fim, não resisti a ir dar-lhes os parabéns.
.
.
O discurso de assimilação foi uma das falácias maiores do colonialismo e do nosso fascismo. Mas há gestos e ideias que mergulham fundo em nós. O episódio dos Sossabe é, apesar de tudo, a parte menos grave dessa falácia.

1 comentário:

amarelejando disse...

"A Conjura", é um livrinho do J. E. Agualusa que estou neste momento a ler, retrata alguns episódios passados em São Paulo da Assunção de Luanda nos anos 1880-1911, muito antes da descolonização, mas que ajudam a perceber essa parte da nossa história.

...
E vi, sonho sublime!- em célico clarão!
ressurgir Angola em meio da escuridão!...

Oh! Fontes, ao clarão de uma aurora virginal,
vi realizar-se o teu íntimo ideal!'

Vi então Angola das vascas d'agonia
erguer-se esplendorosa à luz de um novo dia.

reinava a harmonia; o sol da igualdade
já de luz inundava a livre humanidade.

E que belo deve ser para o peito angolano
ver vingar o Direito e a queda do tirano?

Tudo isto antevia no sonho fabuloso
envolto num clarão, etéreo, luminoso.

Porém quando acordei a negra realidade
mostrou-se bem crua: nula era a igualdade
utopia o Direito e zero a Liberdade!...