domingo, 2 de janeiro de 2011

PETIÇÃO

Ao Exmo. Senhor Ministro da Agricultura

Exposição
.
Porque julgamos digna de registo
a nossa exposição, senhor Ministro,
erguemos até vós, humildemente,
uma toada uníssona e plangente
em que evitámos o menor deslize
e em que damos razão da nossa crise.
Senhor: Em vão, esta província inteira,
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.

Mas Falta a matéria orgânica precisa
na terra, que é delgada e sempre fraca!
- A matéria, em questão, chama-se caca.
Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre ministério
querem tomar o nosso caso a sério,
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade.

E mijem-nos, também, por caridade!
O senhor Oliveira Salazar
quando tiver vontade de cagar
venha até nós!
Solícito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
deite as calças abaixo com sossego,
ajeite o cú bem apontado ao rego,
e… como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho!


A Nação confiou-lhe os seus destinos?…
Então, comprima, aperte os intestinos;
E se lhe escapar um traque, não se importe,
… quem sabe se o cheirá-lo nos dá sorte?

Quantos porão as suas esperanças
n’um traque do Ministro das Finanças?…
E quem vier aflito, sem recursos,

Já não distingue os traques dos discursos.
Não precisa falar! Tenha a certeza
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provém da merda que juntarmos n’elas.

Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.
Adubos de potassa?… Cal?… Azote?…
Tragam-nos merda pura, do bispote!
E todos os penicos portugueses
durante, pelo menos uns seis meses,
sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente nos despejem trampa!

Terras alentejanas, terras nuas;
desespero de arados e charruas,
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sente a paixão nostálgica da merda…


Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.

Ah!… Merda grossa e fina! Merda boadas
inúteis retretes de Lisboa!…

Como é triste saber que todos vós
Andais cagando sem pensar em nós!

Se querem fomentar a agricultura
mandem vir muita gente com soltura.
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala.
Venham todas as merdas à vontade,
não faremos questão da qualidade.
Formas normais ou formas esquisitas!
E, desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena poia à grande bosta,
de tudo o que vier, a gente gosta.


Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.

João Vasconcelos e Sá
Carnaval de 1934

.

Os versos são conhecidos e têm história. Foram magnificamente recitados pelo fadista António Pinto Basto, num momento de inusitada boa disposição, no final da Feira da Vinha e do Vinho, em Amareleja. Prometeu que mos enviava, o que fez no passado dia 31 de Dezembro.
.
Qual a história desta exposição e quem foram os protagonistas?
.
Autor do texto: João Vasconcelos e Sá, agricultor e avô materno de António Pinto Basto;
.
O visado: o seu concunhado Leovigildo Queimado Franco de Sousa, à época ministro da Agricultura e antepassado da actriz Bárbara Norton de Matos.
.
A "estreia" teve lugar, em Évora, num domingo de Carnaval, em 14 de Fevereiro de 1934. Salazar achou muita graça aos versos, tendo pedido que lhe fizessem chegar 250 cópias.
.
De quem é a fotografia que acompanha o texto? Do grande fotógrafo e grande provocador Andres Serrano, que criou um projecto intitulado Shit show. Tenho a certeza que João Vasconcelos e Sá teria gostado de conhecer Andres Serrano. E vice-versa. O senador ultra-conservador Jesse Helms (1921-2008) tinha, sobre o artista, uma opinião definitiva: "Serrano is not an artist. He is a jerk."
.
Conclusão (minha): o sentido de humor, e a falta dele, não são exclusivo de progressistas. Nem de conservadores.

3 comentários:

amarelejando disse...

O momento foi realmente de muito boa disposição! Há muito tempo que não me ria assim(até às lágrimas).
Também pensei publicar o texto no blog, mas já tinha procurado os versos na internet, sem sucesso.
Agora ficamos a conhecer também a sua história.

Obrigado

Anónimo disse...

Não estive presente no encerramento mas já conhecia a "gracinha"...
http://www.youtube.com/watch?v=MxjBof_WfpM
Não comento ;O)
CexI

Miguel Bento disse...

A primeira vez que ouvi esta poesia foi na taberna da Ti Palmira (Brites Gomes), pela voz do António Santana,declamador de excelente qualidade, sobretudo nestas ocasiões em que depois de um galo de cabidela e meia dúzia de garrafas de Navegante, o Zaraque e o Zé Baiôa (não me recordo dos outros), pediram ao Santana para recitar a mesma.
Miguel Bento