Há percursos que
se começam, que se interrompem, que depois se retomam. Muitas vezes, quando se
pensa que já está tudo arrumado. Ou quando, por qualquer razão, se desistiu. É
essa a razão de ser desta pequena crónica. Trata-se de um história verdadeira.
Aos 17 anos
rodei um pequeno documentário sobre um pintor e poeta. Era o “trabalho de
curso” de um clube de cinema de amadores, que então frequentava.
Espantosamente, o pintor levou-me a sério e sujeitou-se a filmagens em som
direto, a encenações, nas quais pintava quadros, deixando-me entrar em sua casa
e cumprindo (!) as minhas indicações. Era meu assistente de realização o filho
do pintor, meu colega de liceu. O equipamento resumia-se a uma câmara de
super-8, um formato hoje pré-histórico, e a um “spot” de iluminação. Tripé era
coisa que não havia. Fotómetro muito menos.
Ao fim de uns
meses, que meteram uma inauguração numa galeria de arte e tudo, comecei a
montagem da “grande obra”. Tinha seis bobinas sem som e mais uma em som direto.
Pedi uma pequena moviola emprestada e segui, com paciência e na solidão do meu
quarto, a planificação que traçara. Cronometrando tempos, cortando e colando a
fita. Entreguei-a mais tarde no único laboratório de som que, em Lisboa, fazia
pistagens em super-8. Ou seja, que colava, na estreita margem da película, uma
fita magnética para som. Passei a ter duas bobinas: uma grande com uma
pré-montagem, de cerca de 10 minutos, outra mais pequena, com som direto, com 3
minutos.
E depois?
Depois nada.
Comecei o curso de História da Arte e desisti de fazer Cinema. Não consegui
arranjar um estúdio onde pudesse gravar o som que faltava. Perderam-se duas
gravações que tinham sido feitas, na RDP, com poemas. O pintor morreu pouco
depois. As bobinas e as notas de montagem recolheram a um dossiê, lá em casa.
Viajaram, sucessivamente, de Massamá para a Salúquia, dali para a Rua de
Arouche, depois para a de S. Pedro, até estacionarem em Mértola.
No passado mês
de novembro, 32 anos depois do início do caminho, resolvi terminar o filme. Fui
recuperar um velho sobrescrito, onde se conservavam umas folhas, às quais dera
o pomposo nome de "argumento". Telefonei a um amigo cineasta e
pedi-lhe ajuda. Fui a uma empresa que transcreve formatos e os passa para
digital. Recuperei velhos temas musicais. Passei horas a pesquisar os sons que
na altura idealizei. Pedi ajuda a um profissional da Rádio Planície para fazer
“voz-off”. Constatei, com enorme surpresa, que a bobina em som direto resistira
ao passar do tempo. O filme está agora em fase final de montagem. Sonorizado e
com genéricos feitos como deve ser. Respeitei rigorosamente a planificação
inicial.
O filme é bom?
Nem por isso. Aos 17 anos temos a mais desmedida segurança da idade. Dá sempre
mau resultado… O filme vale como objeto de juventude, para o qual se olha com
uma certa ternura e nada mais.
Fui, durante a vida, fazendo coisas assim. Retomando projetos,
parecendo que os esquecia, mas afinal não. Como no caso da escavação de Moura,
interrompida em 1990 e reiniciada 13 anos mais tarde. Começa-se e acaba-se.
Mais depressa ou mais devagar. Nunca nada ficou, nem fica, para trás.
Temporariamente, sim. Em definitivo, não.
Crónica publicada em "A Planície" (1.3.2013)
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