Não
é que fosse o dia ou momento para “aquelas coisas”. Mas ao regressar a Portugal
assaltou-me a dúvida “Ibahernando não será por estas bandas?” De facto, assim
era. Ibahernando fica 14 quilómetros a sul de Trujillo, na província de
Cáceres. A aldeia estava deserta e as duas pessoas a quem mencionei a
existência de uma basílica visigoda nunca de tal tinham ouvido falar. Depois de
algumas voltas pela carretera CC-24.2 (nome pomposo para tão secundária via)
encontro casualmente os proprietários da Dehesa de Magasquilla de los Donaire,
onde o sítio arqueológico se encontra. Da basílica nada resta, clarificam. E,
contudo, o edifício tinha estruturas visíveis, dali se retiraram placas
funerárias romanas e uma inscrição, consagrando a igreja a Santa Maria, na era
de 673 (ou seja, 635 d.C.). Hoje não há nada e é preciso ir ao Museu de Cáceres
para consultar o espólio que dali saiu.
Muito
pouco é também o que se vê em San Pedro de Mérida, onde estivera em 2008,
durante um congresso em dias gélidos. As ruínas estão à vista, ao lado da
igreja, de forma anónima e sem explicação. Reconhece-se a zona do altar, e
pouco mais. É preciso recorrer a um texto antigo (1962!), de Alejandro Marcos
Pous, para ler o que ali se torna difícil de decifrar.
Funciona
agora a máquina do tempo. Revejo o inverno 1983/84, em que tomava o caminho da
delegação do Instituto Arqueológico Alemão, na Avenida da Liberdade. Um
trabalho sobre as basílicas paleocristãs começou a apontar-me um caminho. Os
textos de Enrique Cerrillo Martín de Cáceres (n. 1950), então consultados, bem
como o monumental estudo de Pedro Palol (1923-2005), foram decisivos. Depois,
viriam os estudos, não menos densos, de Paul-Albert Février (1931-1991) e de
Noël Duval (1929-2018), sobre o Norte de África. Uma parte significativa desses
trabalhos foi usada no doutoramento; outros aguardam novos estudos, que se
farão ou não…
O
envolvimento na reabilitação da basílica paleocristã de Mértola (1991/93)
deu-me a momentânea ilusão de que é possível uma sistemática recuperação do
passado. Não o é. A dimensão da tarefa da recuperação dos sítios arqueológicos
é uma manta de Penélope, feita e desfeita a cada momento. A fragilidade das
igrejas alto-medievais e das mesquitas rurais torna difícil a sua conservação.
O esquecimento é maior que a vontade da recordação. Nas áreas urbanas, mais
controladas e protegidas, as coisas são um pouco mais fáceis. Nos sítios
rurais, o panorama é pior. Longe de tudo, pouco visitados, pouco glamorosos,
vão caindo, aos poucos, no esquecimento e na ruína. Dizia-me Miquel Barceló “o
poder está nas cidades e os urbanos não querem saber do campo nem dos
camponeses”. Nem daquilo que nos deixaram, naturalmente. A finitude, e os
limites físicos, da investigação tornaram-se-me ainda mais claros ao sol da
Extremadura, naquele final de manhã de domingo. É difícil parar. Mas temos de
ter claro que o esquecimento se sobreporá a todos os nossos gestos e que o futuro
do passado é marcado por uma fragilidade que se torna doloroso avaliar.
Crónica publicada hoje, em "A Planície"
Sem comentários:
Enviar um comentário