quinta-feira, 31 de outubro de 2019

A PROPÓSITO DE HALQ AZ-ZAWIYA E DE KANISAT AL-GURAB

Fazer corresponder os sítios referidos nas fontes escritas do período islâmico com locais concretos nem sempre é tarefa fácil. Desde logo, porque muitas alçarias desapareceram, depois porque o crescimento urbano fez desaparecer sítios concretos, depois ainda porque nem sempre as descrições ou as localizações primam pelo rigor.

De entre os muitos locais ainda por situar com rigor, dois constituem, desde há muito, um verdadeiro enigma:

1) Halq az-Zawiya, que poderia corresponder a Lagos;
2) Kanisat al-Gurab (a célebre Igreja do Corvo), para a qual se tem apontado uma localização nas imediações do Cabo de S. Vicente.

Em especial, esta última é procurada, de forma quase obsessiva, desde há décadas. O texto de al-Idrisi, autor do século XII (uso a versão de Dozy e de De Goeje, Description de l'Afrique et de l'Espagne), diz o seguinte:

"De Silves a Halq az-Zawiya, porto e aldeia, 20 milhas;
Daí a Sagres, aldeia junto ao mar, 18 milhas;
Dai ao Cabo al-Gharb, que lança no oceano, 12 milhas;
Daí à Igreja do Corvo, 7 milhas.

Esta igreja não conheceu modificações desde a época da dominação cristã; tem terras, que as almas pias têm o costume de lhes dar, e presentes levados pelos cristãos que aí se deslocam em peregrinação. Situa-se num promontório que avança pelo mar. Sobre a igreja estão dez corvos (...)".

Tome-se então como ponto central Silves e façam-se as medições a partir daí. As distâncias não podem ser levadas em rigor excessivo. Tomem-se como padrão os 2.285 metros da “milha omeia”, mas estes valores servem apenas de referência. Por exemplo, de Faro a Silves são 28 milhas, diz al-Idrisi. Seriam 64 kms., na verdade são 54.

Que ponto está a cerca de 40 a 45 kms de Silves e que pode corresponder a um antigo espaço de culto muçulmano? Nem mais nem menos que o local agora conhecido como Ribat da Arrifana. Um sítio de grande importância e que, em época almorávida/almóada, era seguramente local muito conhecido. Se seguirmos a lógica de percurso do texto (de um ponto de partida a um ponto de chegada, exatamente como fez, noutra conhecida descrição, Ibn Hawqal), teremos de seguida Sagres e o Cabo al-Gharb, que me parece corresponder à Ponta da Piedade, se tivermos as distâncias que al-Idrisi aponta.

Ou seja,
De Silves a Halq az-Zawiya (Arrifana) são 20 milhas = 45 kms. Na realidade são 40.
Daí a Sagres são 18 milhas = 41 kms. Na realidade são 36.
De Sagres à Ponta da Piedade (Cap al-Gharb) são 12 milhas = 27 kms. São 26.
Da Ponta da Piedade à Ermida da Senhora da Rocha são 7 milhas = 16 kms. Aqui, a diferença é um pouco maior, na realidade são 31 kms. por terra e, em linha reta, perto de 25 kms..

O Cabo de S. Vicente é sítio demasiado inóspito para poder ter conhecido qualquer fixação deste género. Por outro lado, é inequívoco que a Ermida da Senhora da Rocha está num promontório, hoje muito erodido, e que a igrejinha desse local tem capitéis tardo-antigos reutilizados. Tal como é notável a presença, a curta distância, do topónimo Porches (do árabe burj = torre).

A soma de todos estes fatores parece-me sustentar as hipóteses que aqui se traçam.

Punch-line: um documento da Agência Portuguesa do Ambiente refere que "na face da arriba são já comuns as plantas típicas destes ambientes salinos, bem como as inúmeras aves que por aqui se refugiam: corvos-marinhos, falcões, guinchos, gaivotas e andorinhões".

A hipótese fica lançada. Irei agora desenvolvê-la e trabalhá-la de forma mais circunstanciada.



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