“Ya no somos Europa! Ahora somos Latinoamerica…”. Não vem aqui ao caso, e seria uma longa e pouco útil explicação, porque é que passei muito tempo à conversa com aquele casal argentino.
Foi há uns doze anos, em Mértola, à entrada do castelo. Eram pessoas na casa dos sessenta, e tinham um ar distinto, para usar uma expressão caída em desuso. Estavam de passagem pela Europa e gozavam a reforma. Que se passava, então? A economia argentina entrara em recessão e a moeda perdera valor. Ainda não chegara a bancarrota de 2001, quando o “mago” Domingo Cavallo arrastou o país para um poço sem fundo e as poupanças de muitos anos ficaram em quase nada. Mas, em 1999, a orgulhosa classe média argentina, que não se revia no resto de uma América Latina mais pobre, perdia terreno e tornava-se “sul-americana”. Aquele casal de reformados não se conformava e dizia-me que já não tinham quaisquer diferenças com os uruguaios.
Em 1999, ainda em tempos de otimismo, aquele discurso pareceu-me quase esotérico. Acabara a Expo 98, Portugal vivia um momento de confiança e nada fazia prever que voltaríamos aos tempos do FMI. Hoje parece-me bem próximo e real. Nós, que tanto tempo dissémos orgulhosamente “Europa” e pensámos no progresso, nós que fomos os “alunos exemplares” – e à conta disso demolimos as pescas e a agricultura -, nós que recebemos os milhões da Europa e produzimos pouco e trabalhamos pouco, somos agora confrontados com a nossa americanização.
A fatura será pesada e trará consigo o empobrecimento, e a despromoção, de boa parte da classe média. Já para não falar dos que não chegam a ser classe média e estão muito pior. E pior ficarão. O mundo fofo e pouco responsável que conhecemos desde meados dos anos 80 acabará dentro de semanas. Espantosamente, não há reação. Nem do ponto de vista político (PCP e BE à parte) nem do ponto de vista pessoal. A Pátria foi de Páscoa, o penoso Sócrates deu uma tolerância de ponto que não tem justificação, os pacotes turísticos estiveram esgotados e o ambiente é o do Titanic antes do naufrágio.
Dentro de poucas semanas regressaremos ao passado. Para quem nasceu em 1965, ou antes disso, é um filme já conhecido e ao qual assistiremos numa sessão de reprise. Estamos, apesar de tudo, melhor preparados para o choque. Para os mais jovens é o regresso a uma realidade desconhecida.
Um bom conhecedor do História recente de Portugal, Vasco Pulido Valente, tem explicado, de forma concisa, porque é que as coisas são assim e o que podemos esperar da Europa (leia-se, da Prússia). Infelizmente, VPV é tomado como um académico exótico e dado a opiniões excêntricas. A verdade é que ele sabe do que fala. Como veremos daqui a uns tempos.
Esta é uma cena célebre da História do Cinema. A paródia à Última Ceia, no filme Viridiana, rodado em 1961 por Luis Buñuel (1900-1983). O escândalo foi tremendo e o filme só estreou em Espanha em 1977. O jantar dos mendigos é uma imagem apropriada para os dias que correm. Pode ver a cena completa aqui.
O texto foi publicado no jornal A Planície de dia 1 de maio.
1 comentário:
Gostei do texto...ja o tinha lido n" A Planicie". Mas nao posso ver o filme que esta sujeito a direitos de autor aqui : (
Enviar um comentário