Na primeira vez que vi “Os marginais”, há muitos, muitos anos, a frase entrou-me na cabeça, mas só isso. Em determinado momento, um personagem diz a outro 'Stay gold, Ponyboy, stay gold.' O momento é tenso e por todo o filme passa um tom dourado e de crepúsculo. Que, por sinal, assinalava também o ocaso de Francis Ford Coppola. Só muito mais tarde dei, por acaso, com um poema intitulado “Nothing gold can stay”, algo como “Nada permanence dourado”. O diálogo do filme era uma citação de um poema antigo (1923) de Robert Frost. Os poemas de Frost passaram a acompanhar-me, em especial depois de uma querida amiga cosmopolita me ter comprado, em Chicago, a poesia completa de Frost.
A partir daí, o livro foi companhia regular. Nos últimos tempos, em especial, um poema me perseguiu “A estrada que não foi seguida”. Que começa “Duas estradas separavam-se num bosque amarelo / E triste não pude seguir por ambas / E ser um viajante, longamente estaquei”. E que termina “Duas estradas separavam-se num bosque, e eu / Eu segui a menos percorrida / E isso fez toda a diferença”. Os tempos recentes foram passados entre caminhos. Ouço, nesses momentos, a voz pausada do Professor José Mattoso que, a propósito da investigação e dos percursos, frisava “a infinita liberdade do espírito”. O caminho seguido entre 2005 e 2017 terminou. De forma solitária, resolvi seguir agora a estrada menos percorrida.
Volto, nestas alturas, obsessivamente, a Bergman e a “Morangos silvestres”. À solidão de Meursault, à angústia de João Barois, à candura de Clarissa, a “Pharos & Pharillon” de E.M. Forster. A “The road not taken”, de Frost, e à jornada de Isak Borg.
Isak Borg faz, numa só noite, uma viagem pela sua vida. No verão polar a noite é cheia de uma luz difusa. Ele aproveita-a para ir de carro em direção a Lund, onde receberá um grau honorário na universidade. Nos locais por onde passa Isak Borg revê o passado: o casamento frio, o amor de juventude que se perdeu, as pessoas que já partiram. Na longa viagem, noite dentro, a sua solidão é interrompida pelos sonhos e pelas recordações que os sítios suscitam.
No caminho à frente, já mais curto que o caminho atrás são todas as dúvidas que renascem. Com a certeza que se deve seguir sempre, solitário e solidário, pela estrada menos percorrida. Pela estrada de Robert Frost. Pela nossa estrada.
Crónica publicada hoje, em "A Planície"
Crónica publicada hoje, em "A Planície"
Ouro e crepúsculo em "Os marginais"
1 comentário:
E com Borges são os caminhos que se bifurcam…
Um abraço,
Manuel Branco
Enviar um comentário