Há
meses, Joana Amaral Dias, provavelmente para fazer “prova de vida”
política, avançou com uma proposta no sentido de serem criados
espaços separados nos transportes públicos. Querer resolver
problemas erguendo muros nunca foi grande ideia. E nunca solucionou
coisa alguma. Isso fez-me recordar dois episódios ocorridos no
Cairo, há pouco mais de uma década.
Juntem-se
dois portugueses distraídos algures no norte de África e a coisa
pode não correr bem... Foi na primavera de 2007. Olhámos (Cláudio
Torres e eu) o combóio que acabava de parar na estação de Mar
Girgis. Tinhamos ir ver
a
igreja ortodoxa. Já
não recordo porquê, mas creio que pelos vestígios arqueológicos
conservados algures num dos anexos.
Parêntesis para referir que o metro do Cairo era (imagino que assim
se mantenha) imaculadamente limpo, barato e pontual. Os turistas não
o usavam
muito e não sabiam o que perdiam. Fim de parêntesis. As portas do
metro abriram-se
e fomos
diretinhos a uma delas.
Os funcionários no cais esbracejavam vigorosamente. Rimos, fizémos
adeus e entrámos. As portas fecharam-se
e houve
uma agitação de trajes negros. Sussuros, exclamações, vultos que
se afastam. Tinhamos entrado numa carruagem
só para mulheres, todos
envergando o “niqab”.
Há, no metro do Cairo,
carruagens mistas e
outras só
para senhoras. O Cláudio verbalizou o óbvio "oh pá, merda, já
demos barraca". Tinhamos mesmo. Fez-se uma larga clareira à
nossa volta. Saímos na estação seguinte. Não fomos detidos nem
assediados.
Pensava
eu que as surpresas
ficariam por ali. Não ficaram. Dias depois, entrei numa loja no souk
de Khan
el-Khalili.
De
novo com Cláudio Torres e com Anne-Marie Lapillonne, uma amiga
marselhesa
que trabalhava na EDISUD, uma editora infelizmente já desaparecida.
Só havia senhoras na loja. Na casa dos 45/50 anos. Tinham ar de
proprietárias do sítio, porte distinto, muito morenas e muito
bonitas. Todas me faziam lembrar a lendária Hind Rostom, a Marilyn
Monroe dos países árabes. Uma Marilyn um pouco mais anafada, ao
gosto local. E
ao meu.
Sou
presa fácil nas lojas. Acabei comprando bijuteria exótica, muito
bonita, na minha opinião, mas de sucesso discutível. Ao
contrário do que sucedera no metro as senhoras (juraria eram cristãs
coptas…) não só não se deixaram impressionar com a presença
masculina na loja, como exigiram, para enorme gáudio da Anne-Marie,
que fizesse uma fotografia com elas. Tenho
essa recordação lá em casa, eu muito enfiado no meio das
exuberantes e belas cairotas.
No
comércio não há barreiras nem sítios exclusivos. Não pode haver.
Mas num país pode haver vários países. Nem sempre coincidentes,
muitas vezes contraditórios (em Damasco, a “lingerie” era
vendida à porta da mesquita principal...). É o caso do Egito, onde
o choque de culturas se exacerbou. Em todo o caso, é legítimo que
se pergunte: sem estas contradições e sem estas ilógicas, teria a
cultura mediterrânica a vivacidade, o
vigor
e o colorido que tem? Permito-me duvidar.
Hind Rostom, a Marilyn Monroe do mundo árabe
Crónica publicada hoje, em "A Planície"
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