sábado, 25 de agosto de 2018

QUANDO VIER A PRIMAVERA

Quando vier a Primavera,

Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
7-11-1915


Fernando Pessoa e a luz de Lisboa, ao fim da tarde. Dois dias de pausa, para trabalhar noutras coisas.

1 comentário:

Unknown disse...

Só de uma ordem pos mortem me senti agradado: foi a que expressava o desejo de Mário de Sá Carneiro, em que dizia:- Quando morrer quero ir de burro/Quero que batam latas e tambores.....