domingo, 7 de dezembro de 2025

O MELHOR VINHO DO MUNDO

Tem-se tornado quase fastidiosa a chuva de melhores disto e melhores daquilo: a melhor praia, a melhor bica, o melhor pastel de natal, a melhor marisqueira, o melhor por do sol, o melhor trail etc. Um pesadelo de coisas melhores.

Fui, há meses, a uma cidade muito conhecida, um pouco longe daqui. No regresso “foste ao sítio tal? E ao bar xis?” E eu não, nem a um nem a outro, sou pouco de andar em rebanho. E isto agrava-se com a idade.

Qual é o melhor vinho do mundo?, eis a questão. Há vinhos astronomicamente caros, isso sim. Uma garrafa de Romanée-Conti, de 1945, foi vendida por 480.000 euros; uma garrafa do norte-americano Screaming Eagle, de 1992, chegou aos 455.000 euros. Preços obscenos. Ao pé deles, o Barca Velha a 900 euros quase parece uma coisa de saldos.

Não sou grande bebedor – embora já tenha dado jeito a algumas pessoas dizer o contrário… - e também não sou um conhecedor. Gosto dos vinhos de Penedès, dos alentejanos, dos da Beira Interior, dos durienses, dos californianos, de alguns exotismos madeirenses e açorianos e por aí se fica a minha geografia…

Vem isto a propósito do mais extraordinário vinho que bebi até hoje. Fui há muitos anos, mais de 30, na Corte Azinha, uns cinco quilómetros a nordeste da Corte do Pinto, no concelho de Mértola. Várias vezes me tenho perguntado o que esperávamos encontrar, o Miguel Rego e eu, na Corte Azinha. Era inverno e o dia estava frio. A pessoa com quem fomos falar – porque teria informações sobre sítios arqueológicos, mas afinal não tinha nada por aí além... – recebeu-nos com calorosa cordialidade. Era um “homem do campo”. Parecia-me muito velho mas, provavelmente, seria mais novo do que eu sou hoje. Não me lembro da face, mas recordo-me que era magro, morenamente mediterrânico e, porque é que lembro disto?, usava chapéu. Convidou-nos a entrar e fez questão de nos oferecer um copo de vinho. Foi buscar um garrafão, sim!, à maneira antiga, e encheu-nos os copos com a delicadeza e a cerimónia de quem está a servir um Romanée-Conti. Do vinho recordo-me com nitidez, sim, lembro-me do tom carrascão, de marcada rudeza. Mas a simpatia e a boa vontade em nos ajudar fez com que aquele vinho simples se transformasse no melhor dos nectares. A conversa continuou, mansamente, às vezes com poucas palavras, com o gosto de falar de coisas da vida, com o vinho a temperar a manhã fria. Da arqueologia pouco se adiantou, mas o calor do vinho chegou-nos à alma. Tenho-me lembrado muitas vezes desses momentos.

Falei há dias com o Miguel sobre esta nossa improvável expedição. Os anos vão passando e, com firmeza, se me vai vincando a certeza de que aquele foi o melhor vinho que já bebi. Não me falem em castas, nem em “frutados”, nem em “finais prolongados”. Sem o calor humano não há vinhos que valham a pena. Aquele vinho, um pouco áspero, foi o melhor vinho do mundo. Continua, pelo fator e pelo calor humanos, a sê-lo. Até hoje.

A crónica saiu em "A Planície". A fotografia data de 1999 e é de Martin Parr. Intitula-se Reines de la Nuit (sipping wine). É a melhor fotografia de alguém a beber um copo de vinho.


4 comentários:

Anónimo disse...

Os amigos são o sítio do mundo onde as maçãs vermelhas são mais doces…

Anónimo disse...

Pior que o "melhor" é a "Capital de...

Santiago Macias disse...

Precisamente!

Santiago Macias disse...

São.