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O João foi buscar-me a um bar da zona da Praça das Flores, o After Eight, poiso de rapazolas como eu, de balzaquianas à procura de emoções e de uma certa esquerda desiludida e a caminho da via alcoólica para o socialismo. O pretexto? "Vai reabrir um bar na zona do Rego, o dono convidou-me para ir até lá e é capaz de ser giro". Para não ser antipático, lá fui.
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O bar era o Rei Cuango (fechou há muito) e ficava na Rua Carlos Reis. O sítio estava quase às moscas, a fazer lembrar uma das cenas finais do filme Nova Iorque fora de horas, com umas pequenas madeirenses que por ali cirandavam e com a grande atracção da noite, o disc-jockey (na altura ainda não se dizia "didjei") Paulo Leston Martins, creio que já falecido.
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Foi uma noite temível. O disc-jockey às tantas, imagino que por deferência do dono do estabelecimento, dedicou-me uma música e uma das pequenas foi-me buscar para dançar. Insistiu, depois de saber que estudava no Instituto Britânico, em falar inglês comigo, "só para treinar". Não faço ideia que falta lhe faria saber inglês numa boîte do Rego, mas enfim... O inglês da moça era péssimo, mas isso não a coibiu de comentar para o patrão: "O miúdo não é nada de especial a dançar, mas no inglês dá uns toques."
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Às tantas comecei a ficar farto daquilo e fiz um ultimato ao João. Convenceu-me a tomarmos um último whisky. Fez bem. Porque assisti a uma cena absolutamente única. O empregado tinha ar de doidivanas e era um perfeito sósia do Malcom McDowell. Com um ar dominador, pegou na garrafa, prendeu a tampa no globo ocular e manteve a garrafa suspensa, enquanto a girava rapidamente pela base. Acto contínuo, e sempre com a tampa pendurada, à guisa de monóculo, serviu o whisky de uma altura superior a um metro, sem falhar os copos nem desperdiçar uma gota. Ao ver-me boquiaberto fez um ar de triunfo.
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Saímos, o João e eu, sozinhos, pouco depois. Ao recordar o Malcom McDowell da Rei Cuango não posso deixar de pensar que Jim Jarmusch ou Quentin Tarantino gostariam de o ter conhecido.
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