domingo, 22 de outubro de 2017

4 ANOS, 23 HORAS E 42 MINUTOS MAIS TARDE...


Intervenção de despedida, ontem à tarde:

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Municipal
Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal
Exmos. Senhores eleitos nos órgãos municipais
Exmos. Senhores Convidados

As primeiras palavras são de felicitação, e de votos de sucesso, para com aqueles que, dentro de minutos, irão tomar posse. Em especial, para quem me sucede neste cargo, que tanto honra quem o ocupa e ao qual temos de dar o melhor de nós.

Agradeço a todos os que comigo lealmente colaboraram ao longo deste percurso de 12 anos. Em especial aos bons trabalhadores da Câmara Municipal. Ajudaram-me / ajudaram-nos e, com isso, fizeram deste concelho um concelho melhor. Agradeço também aos que criaram obstáculos e dificuldades, porque nos levaram a esforços de superação. Fomos assim mais longe. Obrigado a todos.

Começo pelo preciso ponto em que terminei a minha intervenção de há quatro anos. Com o final de um poema de Alberto Caeiro que diz “Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva / Há a estrada sem curva nenhuma”. É de um caminho, difícil e sempre incerto, que se fala sempre que pensamos no percurso de um mandato. Não é hora de balanços definitivos (esses serão feitos lá mais para a frente), nem de projetar um futuro que agora começa.

Aproveito estes minutos de despedida para sublinhar rapidamente os temas que sempre estiveram no centro das nossas preocupações e da nossa atuação. O problema maior do nosso território é estrutural e para ele o esforço de uma Câmara Municipal não chega. Temos pela frente o despovoamento, agravado pelo envelhecimento da população. É um problema que não se resolve com medidas avulsas. Em 1999, talvez se recordem disso, o governo da nação quis incentivar trabalhadores da função pública a fixarem-se nas zonas mais carenciadas. Para tanto, estava prevista a atribuição de subsídios de valor variável, consoante a categoria do funcionário.

Significou isto que não se encontrou melhor forma de resolver o despovoamento do interior do que atirando umas missangas e engodando quadros, eventualmente aborrecidos com a vida na Grande Cidade, com promessas de subsídios de instalação e mais uns dinheiros para ajudar a pagar a renda da casa. Foi a versão adocicada dos “40 acres e uma mula” do seculo XIX norte-americano, a conquista do Oeste sem o tom épico de Hathaway e de John Ford.

Se bem se recordam também, o projeto não deu em nada. Rigorosamente em nada. Tal como me atrevo em dizer que em nada dará o esforço da Unidade de Missão para a Valorização do Interior. Quase 20 anos depois, o problema essencial continua a ser demográfico. E, ainda e sempre, continuamos dependentes da falta da capacidade de decisão do Terreiro do Paço.

“Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos!”, disse o presidente Porfirio Diaz há mais de 100 anos. Quando olhamos para o interior raiano, são frases assim que nos ocorrem. A distância não será tanto de Deus, como dos centros de decisão. O tráfego nas nossas ruinosas vias de comunicação é o reflexo direto de um País virado para o seu umbigo.

E se insisto neste tema é porque acredito que é nele que estão os nossos problemas centrais. E que o futuro passa pela ultrapassagem desses problemas. Tal como acredito no caráter decisivo que tem o investimento nas infraestrutras e nas várias formas de reabilitação urbana.

O problema principal, repito, passa pela perda de população e pela perda de quadros qualificados. Sem gente não há futuro e sem condições para aqui vivermos não há gente. O problema passa pelo abandono dos territórios periféricos. Pelo esquecimento do interior. Onde estava o Estado e qual o papel do Estado nas tragédias que ocorreram neste ano de 2017? Onde estava o Estado e qual o papel do Estado na resolução da Ribeira da Perna Seca, no Sobral da Adiça? Onde andaram os governantes do nosso País e aqueles que os apoiaram na Assembleia da República?  Onde está aquilo a que temos direito?


Termino com a citação de um texto. Ainda e sempre os caminhos. Sublinho, neste caso, decisões pessoais. De “A estrada que não foi seguida”, de Robert Frost: “Duas estradas separavam-se num bosque, e eu / Eu segui a menos percorrida / E isso fez toda a diferença.” Continuarei, com toda a convicção a seguir, solidário e solitário, a percorrer os caminhos em que acredito. Com esta minha terra e com esta minha gente sempre no meu espírito e sempre na minha memória.


Momento divertido da despedida: na sexta-feira, um amigo sugere-me, distraidamente, que entregue as chaves da Câmara ao novo presidente. Digo que nem pensar em tal, dou uma gargalhada e pergunto: "conheces o quadro La rendición de Breda, de Velázquez?". Não conhecia. É uma tela, pintada para a Coroa espanhola e hoje no Museu do Prado, e que retrata a entrega das chaves da cidade de Breda, por Justino de Nassau a Ambrosio de Spinola, depois do cerco da cidade. O quadro data de 1634/35, uma década depois dos acontecimentos a que se reporta.
Nem rendição, nem capitulação. Era só o que faltava.

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