segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O ANO DE 929 NA HISTÓRIA DE PORTUGAL (E MOURA PELO MEIO)

No mesmo dia em esta edição de “A Planície” sai para a rua, está o quotidiano “Público” a colocar à venda um livro intitulado “929”. O convite chegou-me, há meses, de forma um tanto surpreendente, pela mão do historiador Rui Tavares (sim, esse mesmo, o do “Livre”...). Tratava-se de apresentar, em poucas páginas, uma data importante para a história de Portugal. Deveriam perspetivar-se os factos anteriores e posteriores. Ou seja, o que levou a que essa data “acontecesse” e efeitos que ela teve. Uma lógica anglo-saxónica. O Rui não deve estar de acordo, mas acho mesmo que é isso.

Acabei por desafiar Fernando Branco Correia, velho colega e amigo, para esta tarefa. Optámos por uma data menos evidente dentro do período islâmico. A escolha óbvia seria 1147, data da conquista de Lisboa e de Santarém. Mas o menos conhecido ano de 929 era desafio mais estimulante. Que se passou em 929? Ocorreu a unificação do al-Andalus, sob o comando de Abd ar-Rahman III. Essa centralização do poder representou, no caso do ocidente peninsular, o esmagamento das antigas famílias de origem lusitana que, em grande medida, e ao longo dos séculos VIII e IX, continuaram a deter o poder sobre a região. Não era assim que nos “vendiam”, em tempos, o período islâmico na escola, mas a verdade é que as famílias poderosas do que viria a ser o Alentejo foram as mesmas, antes e depois da islamização. Até ao ano de 929.

E onde anda Moura, no meio de tudo isto? Está bem no centro da disputa. O território de Laqant é palco de vários conflitos, entre meados do século VIII e a segunda metade do século IX. A fortificação em si era pequena, não mais de dois hectares, ocupados por escassas centenas de habitantes. Mas o foco principal do território não estava no castelo. Era a prata de Totalica (as minas da Adiça) que suscitavam cobiça. O cronista ar-Razi fala da sua exploração em meados do século X. A importância das minas não escapava à atenção de Córdova. Tal como não escapará, em meados do século XI, ao emir Al-Mutadide.

A prata desapareceu, as minas da Adiça aguardam por um projeto de investigação que as “descodifique”, o estudo dos séculos iniciais do domínio islâmico dará ainda pano para mangas. Já não será ”no meu tempo”...

A redação do livro obrigou-nos a rever fichas, a reler livros, a construir uma lógica de apresentação. Foi útil para agora e, sobretudo, para “o outro” que virá a seguir. De momento está disponível este “929”. Que pode ser consultado nas bibliotecas públicas. Que, entre muitas outras coisas, servem para lermos, poupando dinheiro.

Crónica em "A Planície".

Orientalismo ao jeito peninsular - tela de Dionisio Baixeras Verdaguer (1862–1943), datada de 1885.

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