Fui há, semanas, muito criticado por uma pessoa amiga por ter publicado uma fotografia da praça principal de Moura deserta, durante o Festival do peixe do rio e do pão. Supostamente, eu estaria a criticar uma iniciativa da autarquia. Logo, tendo sido presidente da câmara não o deveria fazer. Ou seja, os antigos presidentes de câmara passam, assim, a estar sujeitos a uma mordaça. Não devem comentar, criticar ou colocar questões sobre matérias de governação local. Apenas e só, porque já desempenharam essas funções. É uma posição curiosa. Fui, em 2017 e antes de deixar o cargo, acusado de irregularidades graves (iriam chamar a Inspeção-Geral de Finanças, tal a gravidade da coisa…). E havia, dizia o agora presidente, “um polvo dentro da câmara”. Nenhum destas afirmações causou escândalo ou indignação. Ou seja, caluniar é legítimo, publicar uma fotografia, sem qualquer comentário meu, é condenável. Uma perspetiva que, naturalmente, não subscrevo.
Devem os ex-presidentes atuar como pretensos “tutores” ou como auto-nomeados “provedores”? Seguramente que não. Para que conste: dos 461 textos publicados no meu blogue pessoal entre 19 de novembro de 2018 e 19 de novembro de 2019, apenas 14 têm referências críticas a matérias referentes à Câmara Municipal de Moura. Ou seja, 3 (três) %. Se a transição para a vida profissional foi feita em poucas semanas, o afastamento dos dossiês que tinha a meu cargo durou um pouco mais. De forma deliberada, fui-me (re)envolvendo nas matérias profissionais. Sem nunca me afastar de Moura. Nem deixar de estar atento. Uma coisa, é estar sempre a “marcar em cima”, o que me parece despropositado e desadequado. Outra coisa, bem diferente, é impôr-me um silêncio que também não se justifica.
Os ex-presidentes não são senadores? Decerto que não. Cola-me mal a imagem e não tenho jeito para poses hieráticas. Muito menos estão (estamos) obrigados à mudez. Menos ainda quando são (eu sou) vergastados, com regularidade.
Devem os ex-presidentes guardar silêncio? Naquilo que é o quotidiano de um concelho, sim. Nunca me entusiasmaram os comentários críticos que se reportam ao passeio partido, à erva que não é cortada, à placa toponímica que está torta. São minudências que não refletem o que, de facto, importa, na gestão de uma autarquia. Nunca liguei, nunca ligarei a comentários desse teor. Venham de onde vierem, tenham como destinatário quem tiverem. Já outras questões não me merecem silêncio. Sinto-me no direito de questionar, como qualquer cidadão. Com mais distanciamento, decerto, mas sempre tendo em conta o que antes disse quem agora está no poder, de que aleivosias quis fazer lei, o que se propôs fazer e o que está, afinal, a fazer.
Se há coisas sobre as quais não devo guardar silêncio? Claro, mas não vou estar aqui a entrar em detalhes desnecessários. Sobre essas matérias preparo análise mais aprofundada, de crítica e auto-crítica, de leitura das coisas e de auto-avaliação. Não esquecerei, claro, aquilo que alguns dizem quando estão na oposição e a falta de vergonha com que fazem exatamente o oposto do que haviam jurado quando passam para o poder. É justamente esse oportunismo, feito de sorrisos maviosos, de discursos com mais açúcar que um xarope para a tosse, é precisamente essa incapacidade para fazer acontecer, para executar e para avançar que nunca nos devem remeter ao silêncio. É a falta de caráter e de princípios que é preciso denunciar e combater. Tenhamos nós sido ex-qualquer coisa ou não.
Paris Nogari (c. 1536–1601)
Allegoria del silenzio. 1582 (Vaticano)
Crónica publicada hoje no "Diário do Alentejo"
(o texto do DA tem uma "gralha de corretor", que já ía no original... é maviosos e não outra coisa)
(o texto do DA tem uma "gralha de corretor", que já ía no original... é maviosos e não outra coisa)
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