sábado, 22 de fevereiro de 2020

HOUVE FÓRUM, HAVERÁ FÓRUM

O processo é longo. No limite, podemos dizer que é um processo com 2.000 anos.

Pelo fórum de Beja, andou Abel Viana. Um herói quase desconhecido do nosso Património. Em 1997, iniciou-se o resgate do fórum. Um processo lento, cuja condução científica coube a Maria da Conceição Lopes, professora na Universidade de Coimbra. A Conceição defenderia pouco depois uma tese de doutoramento sobre Beja e o seu território. Um trabalho corajoso e duro. A cidade romana de Beja: percursos e debates acerca da "civitas" de Pax Ivlia é estudo com duas décadas que continua atualíssimo e que, ante os recentes ataques de que o Património tem vindo a ser alvo, 
mais pertinente se torna.

O processo de escavação do fórum tem sido longo e complexo. Ontem, em Beja, teve lugar a apresentação do projeto de arquitetura previsto para o sítio. Uma boa iniciativa da autarquia bejense, que assim dá passos decisivos para a recuperação do sítio. O projeto foi uma boa surpresa. Porque mesmo com pontos ainda por esclarecer (ou mesmo por valorizar) do sítio não compromete a continuação de trabalhos arqueológicos. A reversibilidade / adaptação modular do centro de interpretação é um achado e lança pontes de diálogo para o futuro.

O que penso, em suma, de todo aquele processo?

1. Que a Câmara Municipal de Beja tem legitimidade para tomar decisões e para as por em prática, dentro do que é o legal de atuação. Não vi nada que contrarie este princípio;

2. Que o projeto tem princípios fundamentais de reversibilidade que permitem que a arquitetura se minimize ou, mesmo, se anule;

3. Que a monumentalização do sítio - via anastilose ou outros métodos - é fundamental para a leitura pelos visitantes;

4. Que o centro de interpretação + centro de arqueologia deveria ter um programa articulado com o restante património da cidade, nomeadamente o Museu Regional, a Rua do Sembrano, a igreja de Santo Amaro e o sítio de Pisões. Caso contrário, a lógica dispersiva e capelística dominará;

5. Que é imprescindível ter em conta os sábios comentários que ouvi ontem a propósito de drenagens, valorização de aspetos importantes (cisterna republicana, casa da moeda etc.), que em nada contrariam o que está previsto.

Houve aspetos que correram menos bem, neste processo? Sim, manifestamente. Está na altura de arrumar essa parte do dossiê. E de retomar o estudo com quem melhor conhece o sítio, e há mais de duas esforçadas e militantes décadas o escava. Continuo com a esperança que o retomar do diálogo resolva o que está por resolver.

Este debate será repetido, em breve, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Porque é importante que os alunos destas áreas de conhecimento tenham a perceção da complexidade destas valorizações.


2 comentários:

Unknown disse...

Na impossibilidade de poder ter estado presente ,realço
a qualidade da analise efectudaa ,sem preconceitos e focando-se no essencial

Susana Correia disse...

Concordo praticamente com tudo o que dizes. Talvez este projecto não seja o projecto ideal, mas sem dúvida que é o possível para este sítio neste momento. E existem mesmo projectos ideais? Sim, sem dúvida, mas muito poucos, porque as condições concretas dos sítios arqueológicos muitas das vezes impedem que os processos se desenvolvam segundo as etapas, "ideais". O mais importante, do meu ponto de vista,é a necessidade de uma intervenção imediata que trave a degradação normal de estruturas arqueológicas postas a descoberto, antes de que se implemente o tal projecto "ideal" para mostrar - coisa nenhuma! Assim, a solução encontrada poderá permitir a apresentação ao público do sítio arqueológico com a dignidade que merece e as suas características de reversibilidade permitirão a sua adaptação aos vestígios que poderão ainda vir a ser identificados no local.
Quanto ao futuro, enquanto arqueóloga e habitante desta cidade, penso que é urgente uma tomada de decisão sobre a utilização a dar ao edifício anexo, recentemente recuperado. Do meu ponto de vista pessoal - embora partilhado por várias outras pessoas - quer o edifício quer os vestígios arqueológicos devem ser encarados como um todo e como tal abordados. E, sendo Beja a cidade romana mais importante de todo este Sul, possuindo este território um importante acervo de materiais arqueológicos desta época - com particular destaque, como é evidente para quem os conheça, para os do Museu Regional e para os que surgiram nas diversas intervenções do projecto de Alqueva - o destino natural daquele espaço seria a criação de um Museu dedicado à época romana, em que as estruturas arqueológicas fossem, elas também, peças desse Museu. É evidente que existem no local estruturas de outras épocas, que deverão ser, também elas, musealizadas. Mas o grande tema deveria centrar-se no romano, até porque não existe no país um museu com este tema específico, a não ser o museu de Sicó, em Condeixa, muito baseado, no entanto, em realidade virtual. O que não aconteceria em Beja, já que temos a sorte de possuir valiosíssimas peças com um enorme potencial expositivo. Outra opção poderia ser criar aqui um museu de sítio dedicado a todos os vestígios que aqui apareceram. No entanto, o maior "defeito" desta segunda opção seria a falta de originalidade, pois eles são sem dúvida importantes para vários períodos e merecem ser mostrados ao público, mas a temática não é tão forte como a da primeira opção. Se queremos apostar num - passe o termo que de modo algum me agrada - "produto" que sirva para promover o concelho e a região, a originalidade de que falei é uma característica importante. E, como disse atrás, pensando também nisso, a melhor escolha seria, para mim (e, como referi, também para muitos outros) a criação de um grande Museu Romano do Sul. E a quem diga que só a arqueologia não atrai visitantes dou só um exemplo que conheço bem, o de Cartagena (e deixando de fora Mérida que é um caso que, pela sua excepcionalidade, não podemos comparar com Beja), que, valorizando diversos sítios arqueológicos da cidade, criando espaços museológicos e apostando em iniciativas culturais como o grande festival anual de Cartagineses e Romanos, criou um, lá está, "produto" que, com a respectiva divulgação associada, tem vindo a atrair para esta cidade um impressionante número de visitantes. Mais uma vez, o edifício existente em Beja poderá não ser, também, ele, o edifício ideal para um Museu com esta importância. Mas o espaço existe, está recuperado e está anexo às ruínas, que se estendem para o seu interior. Não o aproveitar desta forma poderá redundar na criação de apenas "mais um museu", que poderá ter até muita qualidade mas não constituirá uma marca distintiva capaz de promover a atracção de públicos que uma oferta única e diferente poderá propiciar.