O falecimento de Rinus Michels, ocorrido há algumas semanas, foi pretexto para uns quantos e mais que justos obituários, onde se recordou a brilhantíssima carreira de Michels, nomeadamente no período em que, à frente do Ajax, dominou o futebol europeu. Em anos consecutivos arrasou a concorrência, reduzindo à vulgaridade todas as equipas que cruzaram o seu caminho. O Benfica que o diga...
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A propósito de Michels, lá se falou, uma vez mais, da sua criação do "futebol total", uma concepção dinâmica do jogo, que atirou para as reservas da memória as tácticas rígidas e tornou esquemas como o 4x2x4 uma relíquia do passado. Não sendo um entendido em futebol nem um estudioso das tácticas não posso deixar de recordar aqui o momento (ou, pelo menos, um deles) que antecedeu o futebol total de Rinus Michels. Aconteceu um par de anos antes da ascensão do Ajax, no Mundial de 1966, quando Helmut Schoen ousou quebrar o formalismo da disposição dos jogadores em campo para inovar de forma absoluta. Quem chamou a atenção para a novidade foi Pedro Escartín, antigo seleccionar espanhol, ao analisar a táctica de Schoen num pequeno livro admirável, El mundial defensivo. Sigamos, com a devida vénia, as palavras de quem sabe: "Cinco defesas, com Schultz a líbero, à sua frente e a altura similar, Hottges-Weber e Schillinger, com Overath ligeiramente adiantado e, à direita e um degrau mais para a frente, o formidável criador Beckenbauer, que ligava com Haller, um pouco atrasado em relação aos três avançados Seller-Helds e Emmerich. Era um ferrolho muito elástico, com muitas trocas perfeitamente estudadas. Quando a Alemanha contra-atacava, umas vezes entrava pelo campo adversário Overath, muitas Schillinger, e nessas ocasiões Beckenbauer era um dianteiro a mais, mas à distância, acompanhando Haller, que entrava na zona de remate e nessas alturas os alemães tinham quatro avançados e dois ou três homens no centro do terreno. Ao atacar o adversário, a Alemanha recuava, para montar de novo o ferrolho". Escartín não poupava os elegios ao sistema, notando as duas falhas que, em seu entender, o fizeram desmoronar: a utilização de Beckenbauer como jogador de marcação a Bobby Charlton, na final de Wembley, e, sobretudo, o esgotamento físico dos alemães: "falhou o fundo, a força, indispensável fornecedor de todos os sistemas".
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A análise de Escartín parece apontar para o momento em que o futebol total se começa a esquiçar. Schoen estaria à frente do futebol alemão o tempo suficiente para ganhar muitos troféus e se sagrar campeão europeu e do mundo. Se foi ele ou não o pai (ou o avô) do futebol total não sei dizer. Nada disso tira, de resto, mérito às inovações de Rinus Michels. Assim é feita a vida, de permanentes superações, de descobertas que superam as anteriores, de um acumular nunca terminado de conhecimentos. Rendamos então homenagem a quem a merece e brindemos à memória de Rinus Michels e de todos os que contribuíram e contribuem para a magia do futebol.
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Texto publicado em A Planície em 1.4.2005
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