sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A ARQUETA ISLÂMICA DO MUSEU DE MOURA

O Museu de Moura tem na sua colecção dois conjuntos de placas em osso que serviram de revestimento a uma pequena arca. Da arca, provavelmente construída em madeira, não nos chegaram quaisquer vestígios. Os conjuntos apresentam uma decoração idêntica, finamente pintada e de grande simplicidade.

Parece-nos, por comparação com outras peças conhecidas, um dos exemplares de decoração mais sóbria (podemos mesmo falar de um certo "primitivismo"), no contexto dos marfins e ossos islâmicos do Mediterrâneo Ocidental.

A figuração é simples: a peça é marcada pela presença central de uma rosácea de laçaria ladeada por duas figuras humanas (numa das faces é apenas visível uma delas). Os círculos das rosáceas eram desenhados a compasso, sendo depois as figuras esboçadas a tinta ou com traços de manganés com um pincel, preenchendo-se o resto com pigmentos.

As figuras humanas foram representados em duas dimensões, sem qualquer modelação de luz e sombra, e de forma esquemática: os olhos são dois pequenos círculos, cuja direcção em que olham é dada pela posição relativa da íris face às sobrancelhas. A boca é simbolizada por um único e fino traço.

As figuras da peça de Moura parecem envergar roupagens largas, de tradição oriental - possivelmente o kaftan, longa túnica de seda, veludo ou cetim que se prolongava até aos joelhos ou aos tornozelos, de longas mangas e aberta à frente. A tipologia das figurinhas, de grossas sobrancelhas arqueadas e longo nariz, aponta também para o arquétipo representativo dos homens do Próximo Oriente.

Nos extremos da composição figuram dois conjuntos fitomórficos, que parecem tentar uma representação realista, presente em toda a arte islâmica ocidental e cujo uso generalizado atingiu uma certa convencionalidade que facilita a sua identificação. Longos e flexíveis caules rematados por formas globulares combinam-se, em registos sobrepostos, com flores de lótus envolvidas por palmetas digitadas.

A atribuição da cronologia foi realizada através do estudo comparativo desta peça com exemplares semelhantes oriundos de Espanha, com datações propostas para os séculos VII-VIII AH / XIII-XIV AD. A presença dos elementos antropomorfos (praticamente idênticos aos das peças esgrafitadas de Murcia, da primeira metade do séc. VII AH / XIII AD), e a própria data da reconquista de Moura permitem-nos propôr os inícios do séc. VII AH / XIII AD como datação plausível para o fabrico desta peça.

As plaquinhas foram encontradas durante as escavações realizadas em 1980/81 no Castelo de Moura. Pude, felizmente, integrá-las em exposições montadas em Portugal (Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia, em 1998/99) e no estrangeiro (Rio de Janeiro: Fundação do Banco do Brasil, em 2007). Tenho a certeza de já ter visto uma peça muito semelhante numa colecção italiana. Só me falta recordar qual...

6 comentários:

Cidália Teixeira disse...

Bem, só pela descrição já fiquei curiosa de ver a peça.

Há...parabéns pelo Blogue. Cumprimentos

Anónimo disse...

Sr. Vereador

Não é a primeira vez que faço comentários aos seus posts, sempre a propósito de temas específicos.

Hoje vou ignorar o museu municipal e as suas obras de arte que mostram bem o que é e o que poderá ser o concelho de Moura.

Não pretendo "dar graxa", coisa que não faz parte da minha maneira de ser e de estar, mas tenho que lhe dizer: obrigado por existir.

Fossemos todos assim tão clarividentes, conscientes daquilo que nos rodeia e, sobretudo, se possuissemos a vontade de abarcar o mundo inteiro, como o Santiago o faz, e este noso mundo seria tão melhor, tão cheio de coisas boas...!

E o melhor de tudo é que privo consigo quase todos os dias.

Seu amigo sincero

Intenso

Anónimo disse...

concordo inteiramente ciõm o comentario anterior. Com alguma ingenuidade e a vontade hercúlea de "fazer coisas", o vereador vai trilhando um caminho que já deu frutos .quanto ao seu blogue , que pretende , por vezes parcer predtensioso para quem não conhece apessoa julfo que a intenção é querer partilçhar com os outrois os seus conhecimentos e interreses e só o frequenta quem quer.
parabens.

Santiago Macias disse...

Não sei que diga...

É verdade que há vontade e admito que, por vezes, padeça de alguma ingenuidade. Mas não é menos verdade que todos somos necessário. E a existência de todos é crucial para um mundo melhor.

Anónimo disse...

Aos quatro anos,queria ser arqueólogo. Coisa estranha. Se tivesse lido mais coisa do Santiago Macias, talvez não tivesse enveredado por outra ciência.

Parabéns pela facilidade de comunicação, pela emoção e pela ciência da sua escrita.

Santiago Macias disse...

Caro anónimo

Devo dizer que só tardiamente enveredei pelos caminhas da arqueologia. A arqueologia é uma forma de chegar ao conhecimento da História. Importante é o esforço que temos de fazer para descriptar a informação e para tornarmos a escavação - um acto em si bastante aborrecido - legível e interessante. E para fazermos a peças falarem e contarem-nos um pouco da sua "vida". Mas isso é válido para a arqueologia como para qualquer outro domínio. O essencial é o nosso empenhamento e o nosso esforço.