No início do Verão de 2005, quando pensava que a minha vida ía mudar (olá, se mudou...) o Alentejo Popular entrevistou-me e pediu-me que traçasse um breve quadro autobiográfico (ou auto-biográfico?, desde há meses já não sei mesmo escrever). Aqui está o textinho. No essencial, escreveria o mesmo. E entre Mértola e o concelho de Moura mon coeur balance. Mesmo.
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B.I.
“Devias ter ido para Ciências”, horrorizou-se a família quando a escolha foi História. Ao menos podia ter sido Português-Francês, que servia para dar aulas. Há uma legião de alunos que nunca tive e que me agradecerão esse facto, mesmo sem o saberem. E História foi uma terceira escolha, depois do veto familiar ao Cinema e ao Jornalismo. “Devias ter ido para Direito”, já me via de beca e rodeado de pilhas de livros chatos como a morte. “Devias ter ido para a carreira da magistratura, que é bem bonita”, insistia o pai e eu nunca percebi porque é que é bonito andar-se vestido de barbeiro com uma bata preta. Pior, os magistrados têm sempre uma vida social um pouco mais que recatada, pelo menos era assim, e sempre me pareceu absurda aquela vida de convento sem convento. “Devias ter ido para economia, olha o teu amigo Paulo, o ordenadão que ele tem”. Aos 18 anos escolhe-se um curso por amor, nem que seja o terceiro amor, depois do veto ao Cinema e ao Jornalismo. Depois logo se vê. Ou seja, verei sempre os pais a abanarem a cabeça em desalento profundo. “Você devia ir para crítico de arte”, aconselhou-me, a sério, o prof de Arte Contemporânea na Faculdade. Esta nunca percebi, mas se calhar fiz mal em não ter seguido o conselho. Textos incompreensíveis qualquer pessoa é capaz de escrever. “Devias ir viajar para outros sítios…”, talvez devesse mas não me apetece e depois fico assim sem ser capaz de explicar porque gosto tanto de me sentar ao fim da tarde no café do Petit Zoco de Tânger ou de estar em Argel. “Devias dedicar-te só ao doutoramento”, sim, sim, fora a Assembleia e mais as exposições e o Museu de Mértola. “Devias ter mais cuidado contigo” e eu digo que sim, mando vir mais um kir e depois outro e fumo um par de cigarros antes de sair para a confusão de Montparnasse, que é o sítio onde mais gosto de beber kir e fumar cigarros. “Devias cortar a frase anterior, que parece pedante”. Não corto, quero lá saber.
Aqui estamos, então. 42 anos, um casamento, dois filhos. Um doutoramento em História, alguns livros publicados. Seria melhor se pudesse dizer alguns livros excepcionais publicados, mas não posso. Um iMac em cima do computador, onde estas letras se alinham, muitos livros à volta. Uma Leica M6, uma Leica R7. Duas exposições, Portugal Islâmico (1998) e Marrocos-Portugal (1999) que valeram amizades para a vida. O Museu de Mértola, dez anos à volta do núcleo islâmico (1991-2001). A miragem da solidão e o medo da solidão como a de Meursault em “O estrangeiro” ou a de Isak Borg em “Morangos silvestres”. Os amigos, alguns amigos. Uma casa em Mértola, um refúgio na Salúquia.
“Devias pensar em sair de Mértola”, alguém me segreda ao lado. E eu sempre com aquela mania de nunca fazer o que me dizem que devo fazer.
“Devias ter ido para Ciências”, horrorizou-se a família quando a escolha foi História. Ao menos podia ter sido Português-Francês, que servia para dar aulas. Há uma legião de alunos que nunca tive e que me agradecerão esse facto, mesmo sem o saberem. E História foi uma terceira escolha, depois do veto familiar ao Cinema e ao Jornalismo. “Devias ter ido para Direito”, já me via de beca e rodeado de pilhas de livros chatos como a morte. “Devias ter ido para a carreira da magistratura, que é bem bonita”, insistia o pai e eu nunca percebi porque é que é bonito andar-se vestido de barbeiro com uma bata preta. Pior, os magistrados têm sempre uma vida social um pouco mais que recatada, pelo menos era assim, e sempre me pareceu absurda aquela vida de convento sem convento. “Devias ter ido para economia, olha o teu amigo Paulo, o ordenadão que ele tem”. Aos 18 anos escolhe-se um curso por amor, nem que seja o terceiro amor, depois do veto ao Cinema e ao Jornalismo. Depois logo se vê. Ou seja, verei sempre os pais a abanarem a cabeça em desalento profundo. “Você devia ir para crítico de arte”, aconselhou-me, a sério, o prof de Arte Contemporânea na Faculdade. Esta nunca percebi, mas se calhar fiz mal em não ter seguido o conselho. Textos incompreensíveis qualquer pessoa é capaz de escrever. “Devias ir viajar para outros sítios…”, talvez devesse mas não me apetece e depois fico assim sem ser capaz de explicar porque gosto tanto de me sentar ao fim da tarde no café do Petit Zoco de Tânger ou de estar em Argel. “Devias dedicar-te só ao doutoramento”, sim, sim, fora a Assembleia e mais as exposições e o Museu de Mértola. “Devias ter mais cuidado contigo” e eu digo que sim, mando vir mais um kir e depois outro e fumo um par de cigarros antes de sair para a confusão de Montparnasse, que é o sítio onde mais gosto de beber kir e fumar cigarros. “Devias cortar a frase anterior, que parece pedante”. Não corto, quero lá saber.
Aqui estamos, então. 42 anos, um casamento, dois filhos. Um doutoramento em História, alguns livros publicados. Seria melhor se pudesse dizer alguns livros excepcionais publicados, mas não posso. Um iMac em cima do computador, onde estas letras se alinham, muitos livros à volta. Uma Leica M6, uma Leica R7. Duas exposições, Portugal Islâmico (1998) e Marrocos-Portugal (1999) que valeram amizades para a vida. O Museu de Mértola, dez anos à volta do núcleo islâmico (1991-2001). A miragem da solidão e o medo da solidão como a de Meursault em “O estrangeiro” ou a de Isak Borg em “Morangos silvestres”. Os amigos, alguns amigos. Uma casa em Mértola, um refúgio na Salúquia.
“Devias pensar em sair de Mértola”, alguém me segreda ao lado. E eu sempre com aquela mania de nunca fazer o que me dizem que devo fazer.
3 comentários:
e a árvore? já foi plantada? ;)
Olha eu cá acho fazes bem em nao fazeres o que te dizem, Mértola agradece :)
A árvore não foi plantada (essa foi boa!) e Mértola ou não Mértola depende sempre do reultado das eleições de 11 de Outubro.
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