quinta-feira, 3 de março de 2011

NA PRAÇA VERDE, EM TRÍPOLI

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A Praça Verde é uma esplanada de grandes dimensões, mesmo ao lado do Mediterrâneo. Não fosse a presença obsessiva das fotografias de Muammar Gaddafi e poderíamos ter a ilusão de se estar algures no sul de Espanha. A ilusão era mesmo reforçada pelas carroças decoradas com flores de papel, como vemos na Andaluzia por altura da Santa Cruz, e que, junto à esquina com a rua Omar al-Mukhtar, aguardavam clientes para um passeio.
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No topo norte da praça fica o Departamento de Antiguidades e, ao lado deste, o Museu Jamâhîriyya. Em tradução livre, o Museu das Massas ou Museu do Povo. Do primeiro edifício não guardo grande memória, depois de uma reunião inexpressiva com o respetivo diretor, que sublinhou a importância da universidade cuja delegação eu integrava ter de estabelecer uma parceria com a missão arqueológica de um determinado país antes de poder intervir na Líbia. Nada mal, para um dos faróis do anti-colonialismo africano... Um amigo que estivera anos antes na Líbia avisara-me «prepara-te para tudo, porque aquilo é um mundo às avessas». Bendito conselho. Assim, não tive nenhum choque durante a reunião, assim como não tive surpresas ao visitar o Museu das Massas ou do Povo. Onde, a par das memórias arqueológicas da Tripolitania e da Cirenaica, se exibe o carocha azul no qual Gaddafi fez a entrada triunfal em Tripoli no dia 1 de Setembro de 1969. E onde o artesanato mais extraordinário se mistura com as ofertas feitas por Chefes de Estado ao líder líbio e que são, quase sempre, marcadas por um kitsch barulhento.
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Nada disso me surpreendeu, tal como não tive nenhum espanto ao entrar nas lojas e deparar, sistematicamente, com empregados pouco interessados em vender o que quer que fosse. Imperavam as fancarias chinesas, a falta de qualidade e as numerosas contrafações. Com muito esforço, consegui comprar uma camisola do al-Ahli de Trípoli, um popular clube da cidade.
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Ao longo dos dias fui-me dando conta de uma realidade, de facto, às avessas. Não se via pobreza, o parque automóvel era recente e a economia funcionava. O desemprego era maquilhado pelos rendimentos do petróleo e, assim, ninguém passava por apertos. Um paraíso artificial, à sombra do Líder das Massas ou do Povo.
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Regressei, poucos dias depois, com a certeza que aquele mundo de plástico desabaria, mas sem saber como. Pensei que daí a muitos anos. Enganei-me. Os líbios cansaram-se da perfeição. E do céu. Querem apenas a terra. Uma que seja deles.
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Crónica publicada em "A Planície" de 1.3.2011
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A Líbia está entre o passado e o futuro. Coisa rara em países assim, durante décadas Gaddafi, o excêntrico, manteve o controle sobre os recursos do país. Esse estado de coisas, que lhe permitiu criar riqueza, está a acabar e as multinacionais do Ocidente lançam um olhar guloso para o petróleo líbio.
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Entre o passado e o futuro, que estas imagens representam, os líbios festejam. Quando a festa tiver terminado e se tiverem vistos livres do céu, veremos que contas farão. E que novos senhores terão arranjado.

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