Na tarde
de domingo, dia 26, recebi um telefonema de um órgão de comunicação nacional.
Queriam saber se estava disponível para comentar os resultados das eleições em
Moura. A minha interlocutora era uma senhora que estivera presente num almoço para
onde eu tinha sido convidado. Foi há uns dois anos, no Estoril. Uma coisa um
pouco Graham Greene. Ou RTP2, como diz um amigo meu. Pressenti no telefonema a
curiosidade na tentação fascista que supostamente pairava por Moura... Disse
que sim, que me ligassem depois das 22. Ligaram, mas ainda não havia
resultados. Voltaram mais tarde, às 23:39, quando os números eram evidentes.
Haveria uma entrevista em direto e, imaginava eu, texto publicado.
A
primeira pergunta foi sobre o Chega. Respondi que não comentava isso, preferindo
sublinhar o avanço da CDU e o crescimento em votos e em percentagem. Não foi
suficiente? Não foi, mas ficou claro que temos André. O bom.
A partir
daí, resolvi dizer o que me ia na alma:
Que em Portugal não há interior; há apenas
zonas afastadas do litoral (em Moura estamos a duas horas de carro da capital
do País);
Que não é com tangas como a devolução da taxa
variável do IRS que fixamos população (quem diabo se muda de Setúbal para Serpa
para ganhar mais 300 euros por ano?...);
Que precisamos do Poder Central em matérias
decisivas e que o investimento nas zonas de baixa densidade (adoro o
tecocratês...) não se compadece com iniciativas piedosas e inúteis como a
Unidade de Missão para a Valorização do Interior;
Que não vale encher isto de internet, fibra
ótica e wifi e depois fechar escolas, postos da GNR, correios e serviços de
saúde. Não há taxa variável do IRS que compense isto;
Que não precisamos de descentralizações de
competências que não interessam a ninguém, fingindo o Governo que está a dar “poder”
às autarquias (para quem possa estar distraído, recordaria que o Poder se
ganha, não se partilha assim);
Que é um discurso perigoso afirmar-se que é
vantajoso para as autarquias estarem perto de quem governa (um atestado de
menoridade passado aos autarcas e o tapete estendido à bajulação do Terreiro do
Paço, uma longa tradição na História de Portugal);
Que a votação em partidos extremistas e
fascizantes não representa a adoção de nenhum programa político, mas sim a
reação de Howard Beale no filme “Network”: “I'm as mad as hell, and I'm not going to take this anymore!” (“estou chateado
como o caraças e não aguento mais isto”, em tradução livre). As pessoas estão
cansadas e muitos políticos tradicionais afastaram-se das bases. A demagogia fascista
assenta como uma luva nesta fúria;
Que discursos alternativos, como o do Partido
Comunista, são afastados pela comunicação social, chegando-se ao ponto de ser o
único partido a não ser entrevistado em matérias de interesse nacional e de não
haver um único militante do PCP a comentar política nas televisões;
Que é preciso coragem e proximidade por parte
do Governo em relação aos territórios mais desfavorecidos;
Que o resultado do PCP nas autárquicas tem, em geral, a ver com o desaparecimento do proletariado tradicional. Com a certeza de que nos saberemos reinventar e que em Moura há uma alternativa a uma gestão que, desde 2017, tem sido uma perfeita nulidade. É por esse caminho, o de uma renovada qualidade, que iremos.
Sem surpresa minha, passei em direto, mas não há transcrição das declarações ou uma simples citação nesse conhecido órgão de comunicação. Para a próxima, falo da Monica Bellucci. Devo ter mais sorte.
Crónica em "A Planície"
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