Poucos livros terão tido tanta importância na minha vida como Para compreender a pintura: de Giotto a Chagall, de Lionello Venturi (1885-1961), lido no Verão de 1980, trinta anos passados sobre a data da primeira edição. Venturi era um historiador e crítico de arte com uma posição social e política bem definida. E o seu livro é um dos mais belos manifestos de libertação que jamais li. E não esqueço, e cito de memória, depois de todos estes anos, as vibrantes páginas de crítica à atitude académica de pintores como Ernest Meissonier (1815-1891), a quem acusava de representar homens sem alma, ou como Jean-François Millet (1814-1875), cujo Angellus interpretava como um acto de submissão ante os poderosos. Assim como recordo com toda a clareza o entusiasmo de Venturi ante um quadro como Os britadores de pedra de Gustave Courbet (1819-1877) e toda a luta que lhe estava subjacente. Com Venturi comecei a compreender as leis básicas da perspectiva, do enquadramento, das diagonais. Mas também, e sobretudo, a importância do papel social da Arte.
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Gustave Courbet era um socialista pouco dado a respeitar as convenções. Concebeu A origem do mundo em 1866, e o mínimo que se pode dizer é que a crueza do seu naturalismo estava, à partida, fadada à imortalidade (o quadro está hoje exposto no Musée d'Orsay, em Paris). Quase me espanta que, quase 150 anos volvidos, os oficiais do Santo Inquisição, agora travestidos com a farda cinza da PSP, percam tempo a apreender livros cuja capa é o quadro de Courbet.
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Só não me espanta por completo porque, há cerca de duas décadas, uma fotografia de Mapplethorpe, provocatoriamente intitulada Man in Polyester Suit (1980), causou enorme celeuma. Que incluiu a sua remoção de uma exposição num museu norte-americano.
A História repete-se. Cabe-nos manter vivo esse ideal de uma Arte que questiona os poderosos, todos os poderosos, e o direito a uma liberdade de expressão sem constrangimentos.
5 comentários:
http://abrupto.blogspot.com/2009/02/biografias-do-nada-mania-muito.html
fartei-me de rir com isto este pessoal é completamente chalado.
Rita
Terça-feira, Fevereiro 24, 2009
Polícia dos Costumes
Em Braga, foi apreendido pela polícia dos costumes, perdão, pela autoridade de segurança pública, um livro cuja capa tem esta imagem, pintada há século e meio, por Gustave Colbert, socialista, que usou a sua arte para afrontar a hipocrisia e o poder dos bem instalados, de moral duvidosa. Quão tristes, cinzentos e permissivos com o vómito são os de hoje, a começar pelo alegrete dos tachos, que não desgruda nem se define.
Neste país dos choques magalhânicos (ah o Carnaval de Torres também foi atacado, parece coincidência, não é?) de pacotilha e dos ataques mais cerrados aos direitos de quem trabalha, com uma sangria desmedida de desempregados, em cada dia que passa, nesta espécie de país, dizia, é fácil (basta vê-los emproados na TV a bicar nos professores) piedosos pais queixarem-se, no ano da graça de 2009, de atentado ao pudor.
Como Salazar venceu as únicas eleições, depois de morto, há alguns meses, na RTP, pode ser que face à falta de tomates de muita gente, que deixou a Função Pública descambar perigosamente para o abismo, além de reviver as delícias dos livros da 3ª classe e um naipe de fantasmagorias, possamos estar a caminho de uma nova série que se pode chamar "Não Contes Como Foi, Leva nos Cornos e Chama-lhe um Figo!"
Tenho pena de pertencer a um Povo amorfo, que deixa fazer tudo e de estar a pagar pela idiotice colectiva. Mas deve ser um castigo por qualquer coisa que fiz e não me lembro..
in http://aguasdosul.blogspot.com
corrijo:
Em Braga, foi apreendido pela polícia dos costumes, perdão, pela autoridade de segurança pública, um livro cuja capa tem esta imagem, intitulada A Origem do Mundo, pintada há século e meio, por Gustave Coubert, socialista,
O Samuel também fala deste caso no seu blogue Cantigueiro...e fez-me pensar, pois o blogue da Aldraba foi apagado, quando não havia nada que o justificasse, se é que num país livre se justifica qualquer tipo de censura...Já agora uma última correcção: Coubet...
Cara Rita
Desculpe a discordância, mas "aquilo" não teve lá muita graça...
Com um pouco de azar o homem ainda acaba em PM... Verdade se diga que a espessura cultural do que lá temos também deixa muito a desejar.
Cumprimentos
Santiago
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