sábado, 8 de maio de 2010

CANÇÃO

.
Tu, a quem não digo que acordado
fico à noite a chorar;
tu, cujo ser me faz cansado
como um berço a embalar;
tu, que não me dizes quando velas
por amor de mim;
diz-me: - Se pudéssemos aguentar
sem a acalmar
a pompa deste amor até ao fim?

Ora olha os amantes e o que eles sentem:
mal vêm as confissões,
quão breve mentem!

Só tu me fazes só. Só tu posso trocar.
Um momento és bem tu, depois é o sussurrar
ou um perfume sem traços.
Ai! a todas eu perdi entre os meus braços!
Só tu em mim renasces, sempre e a toda a hora:
Por nunca te abraçar é que te tenho agora.

Rainer Maria Rilke
.
.
O poema é de Rilke (1875-1926), um poeta que me foi sugerido há tempos. Depois comecei a lê-lo mais vezes. E este é um grande poema. O quadro foi pintado por Paul Gauguin (1848-1903) em 1893, aos 45 anos. Gauguin passou os últimos anos da vida à procura de um paraíso tropical. Faz hoje 107 anos que Gauguin morreu.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um bonito poema, sem dúvida!
Dentro de outro género, deixo mais um grande poema, para troca.


À ESPERA DOS BÁRBAROS

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.