- Hoje a senhora viu conhecidos! Não sei. Alguém a viu. O Manuel não foi, que não saiu daqui a lavar-lhe o carro. Queria fazer essa surpresa à senhora! E depois esteve o resto da manhã na horta. Alguém viu a senhora a falar com um homem na rua, um bocado abaixo do chafariz. Ah! Adivinhou! Fui eu, fui! Fui eu que vi! Era só a reinar! Tinha ido à água, que já estamos outra vez com falta dela. Vi a senhora fora do carro logo a seguir a abalar daqui. Estava a falar com um senhor de cabelo branco, um cabelo grande. Fez-me lembrar os cabeludos lá na Alemanha! Mas era um senhor fino, era. Bem vi que era um senhor de Lisboa. Amigo da senhora? Bem vi a festa que fizeram! O que riam! E a senhora depois meteu-se no carro e foi a caminho da praia, e ainda fazia adeus. Como é que a senhora lhe chamou?
- Oh, mulher! Deixa lá isso! Como é que a senhora lhe chamou! Tu não conheces!
- A senhora desculpe, mas é que era assim um nome esquisito, até pensei que fosse estrangeiro. Como diz? Blára! Belaira? Ah! Agusto! Esse, sim! Esse é nome como os nossos! Agusto! Escritor, diz a senhora?
- Pessoa importante, não?
- Pessoa de estudos, é?
- Querias! Então um escritor não devia de ser pessoa de estudos!
Este excerto fazia parte do livro de Língua Portuguesa do 10º ou do 11º ano (1978? 1979? 1980?). A escrita é rápida e em discurso direto, quase torrencial. Fiquei fascinado com o texto, mas nunca comprei nem li o livro, apesar do título, A floresta em Bremerhaven, me intrigar sobremaneira.
Tenho a vaga ideia que o texto ilustrava uma das funções da linguagem (seria a emotiva?). Ofereceram-me o livro há dias, numa edição de há 20 anos, desencantada na cave de uma livraria. O passeio pelo sul nos dias da Revolução, mas quase à sua margem, pontuado pelas referências à floresta em Bremerhaven, vale bem a pena. O onirismo de Magritte vai a par dessas sensações.
Olga Gonçalves (1929-2004) foi/é uma importante escritora portuguesa. Não creio que seja atualmente muito lida.
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