A Sesta
Pierrot escondido por entre o amarello dos gyrassois espreita em cautela o somno d'ella dormindo na sombra da tangerineira. E ella não dorme, espreita tambem de olhos descidos, mentindo o sôno, as vestes brancas do Pierrot gatinhando silencios por entre o amarelo dos gyrassois.E porque Elle se vem chegando perto, Ella mente ainda mais o sôno a mal-resonar.
Junto d'Ella, não teve mão em si e foi descer-lhe um beijo mudo na negra meia aberta arejando o pé pequenino. Depois os joelhos redondos e lizos, e já se debruçava por sobre os joelhos, a beijar-lhe o ventre descomposto, quando Ella acordou cançada de tanto sôno fingir.
E Elle ameaça fugida, e Ella furta-lhe a fuga nos braços nú estendidos.
E Ella, magoada dos remorsos de Pierrot, acaricia-lhe a fronte num grande perdão. E, feitas as pazes, ficou combinado que Ella dormisse outra vez.
Almada Negreiros, in Orpheu nº1
No meio disto, e para dar mais picante à incompetência do sul, suspeita-se dos pepinos espanhóis e arruinam-se os agricultores. Os mitos alimentam-se assim. E no note gostam de olhar para nós à sombra dos mitos. Por isso escolhi esta pintura do orientalista John Frederick Lewis (1804-1876), hoje na Tate Gallery. Está lá tudo: a mulher sensual, a sugestão do calor, a sesta, a reixa...
Há um livro de Edward Said, Orientalismo, onde a criação destas imagens é explicada. O livro está disponível, em versão castelhana, por um pouco menos de 11 euros. Vale a pena lê-lo, até para se perceber como nasceram os mitos do oriente distante e cálido. E para, mutatis mutandis, percebermos como somos vistos noutras latitudes.
Sem comentários:
Enviar um comentário