A primeira vez que me pediram para fazer "arbitragem científica" achei graça à designação, ainda que já a conhecesse. Pedirem-me que fosse "árbitro" levou-me a imaginar num campo relvado, de apito na boca, correndo de um lado para o outro de livro na mão.
Era um artigo para uma publicação referente ao período medieval, ligada a uma universidade. Por várias vezes me têm sido solicitadas essas avaliações, sendo que a última, bastante embaraçosa, se referia a uma pessoa de reputação intocável. Pensei "mas quem sou para fazer esta avaliação?". O artigo era de elevada qualidade e limitei-me a um brevíssimo comentário de aprovação.
Confesso que participo, com prazer, nestes processos. Mas admito, algo envergonhado, que não pratico. A "Arqueologia Medieval", cujos 12 números publicados (1992-2012) coordenei, nunca teve peer review. Porquê? Por opção "política". Para sairmos de um sistema demasiado certinho e, num certo sentido, excessivamente rigoroso. Alguns dos artigos publicados na "Arqueologia Medieval" não passariam numa arbitragem científica feita com todos os requisitos. Alguns desses artigos nem sequer seriam considerados de arqueologia medieval, num sentido estrito. Outros tinham até falhas menores, em termos metodológicos. Mas também não passariam no crivo, ou no apito, de um árbitro mais atento. Porque os publicámos, então? Porque, por vezes, estávamos ante primeiras publicações de jovens licenciados ou porque eram artigos sobre outros domínios (arquitetura, linguística, antropologia) que davam sal à revista.
Em 1992 vaticinaram(-me) vida curta à revista. Era tudo inviável: o modo de pedido de artigos, a avaliação dos mesmos, o modelo de financiamento da publicação etc. Para não falar, bem entendido, na escassa qualificação do editor (eu), que aos 29 anos se atrevia a tomar decisões sobre estas matérias. Sempre sob a benevolente tutela do diretor da revista, Cláudio Torres.
Sempre gostei de projetos improváveis e "impossíveis". O da "Arqueologia Medieval" foi mais um deles.
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