Na última edição do Diário do Alentejo, com texto Paulo Barriga e fotos de José Ferrolho.
“Há mais vida para lá do orçamento”, afirma Santiago Macias, que está a governar a autarquia de Moura sem provisão orçamental aprovada em Assembleia Municipal. A curta margem de votos que elegeu o executivo CDU nas últimas Autárquicas está a causar alguma “crispação” política na cidade de Salúquia, ao ponto de o autarca acusar a oposição de praticar “uma política de terra queimada”. Palavras fortes numa entrevista onde se aborda igualmente a questão da regeneração urbana de um concelho com uma dinâmica social e empresarial muito própria, onde o “orgulho” marca a diferença, mas que se sente “marginalizado” em relação às potencialidades turísticas e agrícolas de Alqueva.
A câmara está a trabalhar com o orçamento idêntico ao de 2014, uma vez que a Assembleia Municipal reprovou o documento orçamental para 2015. Que constrangimentos é que esta situação está a causar ao exercício municipal?
Na realidade, é o orçamento de 2014 com o aditamento que foi feito em fevereiro que, nesta altura, está em vigor e que nos permite fazer aqui algumas intervenções. Costuma dizer-se, e é verdade, que há mais vida para além do orçamento. Mas não o ter, constrange-nos e limita-nos um pouco.
Como é que a oposição se posiciona quando há necessidade de fazer alterações pontuais ao orçamento?
Nesses momentos, cada um que assuma as suas responsabilidades. Se entendermos que é necessário um determinado investimento, avançamos nesse sentido. Se a oposição nos cria dificuldades, como é natural, informaremos a população em conformidade. As coisas têm de ser muito claras a nível de informação. Se a oposição está apostada em criar-nos problemas de forma sistemática e continuada, nós, pelo contrário, estamos apostados em ter um discurso claro e um discurso direto junto da população do concelho.
O principal argumento dos deputados municipais socialistas face ao chumbo do orçamento prende-se com a ausência de integração nas grandes opções do plano de propostas do PS. É assim tão difícil chegar a consensos em Moura?
Percebe-se claramente pelas propostas que foram feitas na altura, e que impediam qualquer consenso, que havia uma posição perfeitamente concertada e articulada entre o PS e o PSD, um facto novo na vida política local e que nós registamos e que naturalmente as pessoas não deixarão de avaliar em devido tempo. Havia aqui uma tentativa de gerir a câmara municipal sem que se tivesse a maioria.
Em tempos classificou a oposição de praticar uma “política de terra queimada” em relação ao executivo CDU. Mantém essa ideia?
Há uma política de terra queimada na medida em que se chumba um orçamento sem que se apresente uma justificação cabal e devidamente fundamentada. Há essa nova realidade no concelho, creio eu, fruto da discrepância que houve nas eleições de 2013 em termos de composição de maioria da CDU na câmara municipal, com minoria na assembleia municipal. E, por outro lado, a curta margem em termos de votação que ocorreu criou, digamos assim, uma crispação ainda maior por parte do Partido Socialista. Mas devo dizer que essas questões, para mim, são de segundo plano, aquilo que efetivamente me interessa é o cumprimento do programa eleitoral, é a manutenção de uma relação de lealdade e de frontalidade com as pessoas deste concelho e a consciência de que estamos a fazer o possível e o impossível para levar isto para a frente.
Está a seguir à risca aquilo a que se propôs quando se candidatou à Câmara de Moura?
Honestamente, sim! O programa eleitoral deve-nos servir como guia fundamental, é a nossa pequena bíblia. Mas para além daquilo que está no programa eleitoral, há outra dinâmica que é a da realidade do concelho que nos leva, muitas vezes, para não dizer todos os dias, atrás de outro tipo de iniciativas ou de circunstâncias que vamos construindo e criando. Acho que, no essencial, vamos no bom caminho, no sentido da concretização e no sentido da afirmação do nosso projeto político. Esse é o aspeto essencial.
E qual é esse projeto político?
Há um conjunto de projetos que queremos concretizar. Em termos globais, continuamos a apostar naquilo que é a reabilitação urbana. Não há promoção económica, não há promoção turística de um concelho sem a requalificação dos seus espaços público e sem a recuperação de edifícios e monumentos. As freguesias vão também ser abrangidas por iniciativas deste género. Ainda ligado à área da reabilitação urbana, há um aspeto que temos vindo a dar uma importância acrescida que é um gabinete de habitação. Funciona no âmbito de um projeto social mais vasto chamado “Ágora Social”. Temos cinco técnicos a trabalhar em permanência fazendo projetos para pessoas que não tem qualquer tipo de capacidade financeira e que têm, às vezes, outras dificuldades do ponto de vista pessoal que as impedem de resolver os problemas que têm nas suas casas.
A custo zero?
A custo zero, porque as pessoas não têm meios. Estamos a falar de pessoas muito carenciadas. Quem faz essa avaliação é a nossa área de apoio social. O executivo não interfere, é um processo técnico que tem a ver com as carências que são detetadas. É uma área particularmente sensível porque é muito difícil fazermos investimentos na requalificação dos espaços públicos, nos monumentos, no que quer que seja, e depois deixarmos as habitações das pessoas que não têm outros meios num estado de ruína. Entregamos estas pequenas obras à iniciativa privada local à medida que os projetos vão sendo implementados, vão sendo postos em prática, vão sendo concretizados, nós vamos avançando mais e mais…
Quer dizer que Moura não é apenas museus e arqueologia?
Infelizmente arqueologia não fazemos há dois anos, e museus teremos o do Matadouro, quando a obra estiver terminada. A parte da reabilitação, da regeneração, de dar uma nova cara à cidade, que não é só maquilhagem, envolve trabalhos de estrutura e de infraestrutura. Quando mexemos na Mouraria, mexemos nas infraestruturas de saneamento, para além de dar uma nova alma a um dos bairros mais característicos da nossa cidade. Quando mexemos nos Quartéis, não fizemos manicura, foi converter aquele espaço que estavam ao abandono e em estado de pré-ruína… Isso tem a ver com aquilo que é o espírito dos sítios, a alma dos sítios e até a sua capacidade de renovação a todos os títulos, nomeadamente, o turístico. Uma segunda área que para nós é importante tem a ver com a dinamização económica. Estamos numa terra que tem uma particular dinâmica do ponto de vista económico, embora as pessoas aqui por vezes não o valorizem suficientemente e não se deem conta daquilo que é a realidade das empresas. A dinâmica comercial de Moura é muito superior à das outras terras aqui em volta, muito, muito superior…
Está a falar de algum frenesim em termos comerciais, em termos empresariais, num concelho periférico…
Há uma coisa que marca a diferença em relação a outros concelhos, não estou a dizer que é melhor nem que é pior, o meu discurso nunca vai por aí, mas há uma coisa que marca a diferença e que é uma característica muito particular dos mourenses: o orgulho. Os habitantes da terra, os habitantes do concelho, têm particular orgulho neste sítio e fazem desse orgulho uma mola fundamental para a realização e para a concretização de coisas em todos os momentos e a todos os níveis.
E é esse “orgulho” que faz sobreviver Moura?
Não há outra justificação. É uma terra que tem agricultura infelizmente penalizada pelas normas que nos impõem da Comunidade Europeia. Mas os mourenses são gente industriosa, como se dizia antigamente, são pessoas laboriosas e que batalham bastante. Isso faz com que nunca nos conformemos, isso faz também com que as pessoas sejam particularmente reivindicativas em relação a tudo e mais alguma coisa e em particular à câmara municipal. O espírito de permanente exigência junto dos poderes instituídos parece--me que deve ser valorizado.
De que forma a agricultura em Moura é penalizada pelas normas europeias?
A Rede Natura 2000 é o principal obstáculo que temos. Continuamos a achar que é possível compatibilizar o que são as normas ambientais com o incremento de uma agricultura que permita o desenvolvimento do território, ponto final parágrafo. Depois, temos constrangimentos do ponto de vista do território que limitam o uso do solo em cerca de 66 por cento do concelho de Moura, o que faz com que a nossa capacidade de avançar com novos projetos seja diferente doutros locais. Vou referir, por exemplo, uma coisa que nos tem penalizado bastante, que é o perímetro de rega de Alqueva. Um projeto que toca tangencialmente o concelho de Moura, por um lado por causa da Rede Natura 2000, e, por outro lado, por causa do aquífero Moura/ /Ficalho, limitando a atividade agrícola. Ao mesmo tempo que é imprescindível respeitar as normas ambientais, é preciso criar condições para que os nossos agricultores desenvolvam o seu trabalho.
E isso não está a acontecer? Estou a olhar para o mapa que está à minha frente e vejo que Moura será dos concelhos com maior frente ribeirinha. O concelho não retira benefícios da utilização da água do Alqueva?
Pode utilizar a água de forma marginal no regadio… e, depois, existem as dificuldades para a instalação de projetos de desenvolvimento turístico nas margens de Alqueva. O plano de ordenamento é de tal forma restritivo que nada aconteceu.
Nada aconteceu?
Não, nada aconteceu e com este plano nada acontecerá. Este plano vai começar a ser revisto agora.
A câmara vai ter um papel ativo nessa revisão?
A câmara não vai ter um papel ativo, a câmara tem tido sempre um papel ativo e tem tido sempre um papel de grande permanência em relação àquilo que é o plano de ordenamento. Não acreditamos num plano de ordenamento baseado numa lógica de resorts, ou em que os resorts tenham um papel importante. Hoje em dia não há capacidade financeira para isso. Queremos projetos de escala humana, projetos que sirvam o território, projetos que sirvam os investidores e os turistas e que sejam úteis para todos. Fazer megaprojetos só para vir cá a televisão, para cortarmos fitas, pormos a primeira pedra e depois não acontecer nada, não precisamos disso. Tem de haver aqui uma inversão de valores, tem de haver uma inversão de filosofia, e temos de pensar numa coisa que deve estar agora em pano de fundo, que é até onde vai a capacidade de criar novas camas no território.
Há pouco falava das obras que o município tem em marcha, isso quer dizer que ainda existe algum poder de tesouraria neste momento?
Câmara Municipal de Moura beneficiou nos últimos anos do investimento que foi feito na central fotovoltaica. A nossa participação no negócio traduziu-se num encaixe financeiro bastante significativo e que permitiu avançar com uma série de obras.
Estamos a falar em quanto?
Estamos a falar um pouco acima dos 15 milhões de euros, que é o valor da venda das ações da Amper. Isso permitiu financiar um conjunto de obras muito significativas e permitiu criar aqui uma folga.
Uma última pergunta, como se vê no fato de liquidador da Assembleia Distrital de Beja, a que preside, e qual o caminho que o Museu Regional deve tomar?
Vejo a situação sempre com grande preocupação, porque houve falta de pragmatismo na resolução do problema. Entendo que a entidade ideal para receber o Museu Regional seria o município de Beja e isso teria de ser feito de uma forma negociada e escalonada no tempo. Não há câmara municipal nenhuma que tenha capacidade de absorver uma estrutura daquelas de um dia para o outro e num prazo de três anos, como o Partido Socialista propunha. Tem de ser um acordo de longo prazo e que podia e devia ter sido negociado ao longo do ano de 2014. Infelizmente, deixámos queimar os prazos e, pior do que isso, acabou este assunto por se converter numa disputa entre duas forças políticas. Isso preocupa-me, porque tem causado dificuldades na resolução prática do problema e preocupa-me porque se discute a questão de enquadramento do pessoal, mas em momento algum vi discutida a questão do desenvolvimento do projeto do Museu Regional de Beja que é para mim o tópico essencial. Que fique na Cimbal parece-me um mal menor. Mas se o mal menor for para garantir os salários e um modo de vida às pessoas que ali trabalham, adotemos então o mal menor, sempre numa perspetiva de transição que terá de ser a médio prazo.
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