Quando era miúdo tinha medo de ver os documentários televisivos sobre museus. Tinha medo daquelas salas sempre vazias - e na altura não percebia porque é as salas estavam tão lugubremente vazias - e do movimento da câmara de filmar em lento travelling. Na altura não sabia o que era um travelling mas ficava sempre à espera que o homem do saco saísse detrás de uma das vitrines. A sensação de medo era acentuada pela iluminação das peças e pela sua dramatização. Efeito esse que se acentuava especialmente quando se tratava das máscaras africanas. Guardo memória de um programa intitulado Universidade na TV. Teve mais influência no meu percurso de vida do que na altura poderia remotamente imaginar.
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A sensação de estranheza ante o vazio, tornar-se-ia, mais tarde em fixação, em particular na obra de De Chirico. E, anos depois, na de Paula Rego (n. 1935). Do ponto de vista formal, nunca me pareceu uma pintora muito portuguesa (e porque ou como o haveria de ser?, depois de tão prolongada estadia no Reino Unido e de uma tão profunda imersão na cultura britânica). Algumas das paisagens que cria têm a mesma sugestão do vazio e do desconhecido que, desde sempre, me perseguem. Os seus quadros suscitam-me, tal como os documentários da infância, uma sensação de estranheza e de desconforto. E neles transparecem o realismo mágico, uma sexualidade que, não raro, roça a perversão, os contos de infância e os sonhos de infância tornados em pesadelo, a ambiguidade.
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Paula Rego é um nome maior da pintura mundial. O seu museu - projecto de arquitectura de Eduardo Souto Moura (n. 1952) e sob a direcção científica da historiadora de arte Dalila Rodrigues -, a sua Casa das Histórias, é inaugurada hoje à tarde, em Cascais. Fica aberta todos os dias, das 10 às 22. A entrada é gratuita. Não há desculpas.
De consulta obrigatória: http://www.casadashistoriaspaularego.com/
1 comentário:
A mim, a Paula Rego lembra-me sempre a primeira vez em que vi o Jack Nicholson no Shining - a loucura e a psicopatia a metastizar-se por sob a capa fina e efémera da normalidade aparente.
(Quiçá ela use a pintura como terapia).
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