quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SEVILLA II - DE ALFAMA AO BAIRRO DE SANTA CRUZ

 A ALMA DAS CIDADES
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O que é que define a alma de uma cidade e o que é que faz que sejam tão diferentes entre si? Porque é que passados comuns dão resultados tão distintos? Porque é que nas cidades mais antigas sabemos sempre onde estamos e com quem estamos e porque é que isso se perde noutros sítios? Por alguma razão as pessoas vão passear para Alfama...
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Os bairros antigos são o último reduto do povo, enquanto o povo for resistindo e a alma dos sítios não se perder. "Já morei ali", apontou a Júlia em direcção a uma casa de Alfama, mesmo por debaixo do Miradouro de Santa Luzia. Espantei-me com a afirmação, até ser elucidado que foi quando o avô Francisco prestou serviço num quartel da GNR de Lisboa. "O que será feito das pessoas que ali moravam? A senhora chamava-se Josefina...". Estiquei-me um pouco mais até ter uma perspectiva do quintalinho, bem arranjado e com uma pequena piscina. Ou a modesta família da Dona Josefina tinha entrado na era da prosperidade ou nova gente tinha chegado ao bairro.
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Neste jogo de comparações a balança cai sempre para o mesmo lado. Alfama é mais interessante que os Olivais, a Salúquia é muito melhor que um qualquer novo loteamento, Salé fica a anos luz de Souissi e a Porte de Clignancourt tem a vida que falta no XVème. Os bairros populares têm cor, vida, movimento, miúdos a brincar e mulheres a passar. Nos bairros populares há música que sai pelas janelas, aos berros, sem cerimónia, porque a rua faz parte da casa. Por alguma razão o fado nasceu em Alfama, as sevilhanas de Triana bailam melhor que as outras e tantos cantores americanos conheceram antes de mais as fronteiras do Harlem. Quantos grandes fadistas ou quantos guitarristas de génio saíram do bairro do Restelo?
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Não muito longe da casa onde a D. Josefina acolheu a Júlia há agora andares à venda. Anunciam vidros duplos, tv satélite, insonorização total, portas blindadas e muitas outras coisas que fazem as novas classes sentirem-se seguras em bairros antigos e onde o povo anda à solta. No dia em que chegarem novos moradores aquela zona da cidade quem garantirá a alma do bairro? Quem chamará os miúdos às esquinas, como a senhora de ar robusto, no mínimo robusto, que arrastava o neto por um braço e a quem gritava "é sempre a mesma coisa, é só brincadeira e casa nada"? Quem pendurará a roupa nos estendais? Quem cantará o fado à sombra da igreja de Santo Estevão?
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Os novos bairros e os novos habitantes dos bairros antigos têm arquitectura, têm design, têm estilo e um ar limpo. Têm isso e muito mais. Só não têm alma.
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Imagens dos bairros de Santa Cruz, Sevilha (em cima) e de Alfama, Lisboa (em baixo)
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Este texto foi publicado em A Planície de 1 de Maio de 2005. Uma rápida escapada há dias ao bairro de Santa Cruz em Sevilha apenas me reconfirmou o óbvio. Naquela Alfama plana e sem escadinhas já não há sevilhanos. Há lojas e artesanato. Há restaurantes e esplanadas acolhedoras. Há hotéis que ocuparam as antigas casas. Há um ambiente simpático porque o bairro em si é difícil de estragar. Há suecos, franceses, ingleses, italianos, japoneses, alemães de sandálias e peúgas (oh, meu Deus, porque é que os nórdicos usam sempre as sandálias com peúgas?) e há turismo e coisas típicas em cada esquina. Não há sevilhanos nem há povo. Sobram intrusos. Como eu.

2 comentários:

Anónimo disse...

...estas ruas são mágicas...
gosto mesmo deste tipo de bairros...

Dulcineia disse...

Me gusta lo que escrives !
Me gustas tu !
Me gusta Sevilla !
Me gustas tu !
Me gusta Alfama !
Me gustas tu !

La ! La ! La ! La ! La ! La !