O ganadeiro e veterinário Joaqui Grave publicou, no último número da revista Mais Alentejo, um interessante e importante artigo sobre o presente e o futuro das corridas de touros. Transcrição integral, com a devida vénia:
No passado mês de Maio fui à Ovibeja, e um amigo meu, às tantas diz-me: "Pois é, Joaquim, no tempo dos netos dos nossos netos já não haverá corridas de toiros; é a tendência, não há nada a fazer"! A verdade é que fiquei a cismar nos argumentos escrimidos de parte a parte, espectáculo arcaico, espectáculo actual, sim, não, talvez... E aguçou-me o espírito que teima em ver nos toiros um espectáculo prenhe de valores contemporâneos.
Sem dúvida, a corrida de toiros não é moderna, como diz o meu amigo Francis Wolff, mas não porque não seja do nosso tempo; é ao contrário, o nosso tempo é que não está já na modernidade. A modernidade no sentido estrito, acabou no final dos anos oitenta do século passado, com a queda das ideologias, o fim do sonho no progresso e o esgotamento dos discursos dogmáticos das vanguardas artísticas (formalmente revolucionárias, politicamente redentoras).
Talvez o mais simólico tenha sido a queda do muro de Berlim (1989). De então para cá, vivemos o que alguns chamaram a pós modernidade ou contemporâneo e que se opõe ponto por ponto à modernidade.
Pode ser que a corrida de toiros não seja nem nunca tenha sido "moderna", mas é certo que encaixa perfeitamente no "contemporâneo", senão vejamos: o moderno está ligado ao progresso, à "velocidade", à industrialização sistemática (onde cabe a ganadaria de produção de carne intensiva); por sua vez, o contemporâneo e a corrida de toiros estão ligados à biodiversidade, à ganadaria extensiva de bravo, aos equilíbrios dos ecossistemas. A modernidade só via a salvação através da comunidade e da sociedade, no "tudo é política"; pelo contrário, o contemporâneo e a corrida renovam os valores do herói solitário (pensemos no culto contemporâneo aos êxitos singulares e aventureiros de qualquer tipo), com uma ética das virtudes individuais, o valor, a lealdade, o dom de si mesmo.
A modernidade queria esconder a morte (simples "não vida", da mesma forma que se diz invisual em vez de cego), reduzi-la ao silêncio do frio das casas mortuárias ou à mecânica funcional dos matadouros. O contemporâneo e a corrida de toiros por sua vez, reconhecem que a cerimónia da morte pode contribuir para dar sentido à vida mostrando-a conquistada a cada instante sobre a possibilidade mesma da sua negação.
A arte moderna glorificava a vanguarda social e declarava o fim da "representação", o pós moderno mistura o popular e o erudito - como na corrida de toiros - que é a mais sábia das artes populares.
A pós modernidade, longe de opor o homem ao animal como nos tempos modernos, pressente que não há humanidade sem uma parte de animalidade, sem um outro a quem medir-se, como se o homem - hoje ainda mais que ontem - só pudesse provar a sua humanidade na condição de saber vencer, nele e fora dele, a animalidade na sua forma mais alta, mais bela, mais poderosa, por exemplo a do toiro bravo.
Os toiros já não são somente a Festa Nacional de Espanha. Com isso, os espanhóis perderam um pouco mas ganharam muito. Os toiros converteram-se em parte integrante da cultura da Europa meridional e, inclusivamente, património mundial. No passado mês de Abril em França, a Festa dos Toiros foi declarada Património Cultural Imaterial. Se calhar não é por acaso que o lema desse velho país europeu é liberté, egalité et fraternité; claro que Portugal e, mesmo Espanha, vão beneficiar desse facto.
Não sei se com isto consegui tranquilizar o meu amigo e convencê-lo que os netos dos meus netos terão, provavelmente, oportunidade de desfrutar deste fascinante espectáculo. Eu cá estarei para ver e se, entretanto, morrer, não faz mal porque estarão os netos dos meus netos para me contar!
No passado mês de Maio fui à Ovibeja, e um amigo meu, às tantas diz-me: "Pois é, Joaquim, no tempo dos netos dos nossos netos já não haverá corridas de toiros; é a tendência, não há nada a fazer"! A verdade é que fiquei a cismar nos argumentos escrimidos de parte a parte, espectáculo arcaico, espectáculo actual, sim, não, talvez... E aguçou-me o espírito que teima em ver nos toiros um espectáculo prenhe de valores contemporâneos.
Sem dúvida, a corrida de toiros não é moderna, como diz o meu amigo Francis Wolff, mas não porque não seja do nosso tempo; é ao contrário, o nosso tempo é que não está já na modernidade. A modernidade no sentido estrito, acabou no final dos anos oitenta do século passado, com a queda das ideologias, o fim do sonho no progresso e o esgotamento dos discursos dogmáticos das vanguardas artísticas (formalmente revolucionárias, politicamente redentoras).
Talvez o mais simólico tenha sido a queda do muro de Berlim (1989). De então para cá, vivemos o que alguns chamaram a pós modernidade ou contemporâneo e que se opõe ponto por ponto à modernidade.
Pode ser que a corrida de toiros não seja nem nunca tenha sido "moderna", mas é certo que encaixa perfeitamente no "contemporâneo", senão vejamos: o moderno está ligado ao progresso, à "velocidade", à industrialização sistemática (onde cabe a ganadaria de produção de carne intensiva); por sua vez, o contemporâneo e a corrida de toiros estão ligados à biodiversidade, à ganadaria extensiva de bravo, aos equilíbrios dos ecossistemas. A modernidade só via a salvação através da comunidade e da sociedade, no "tudo é política"; pelo contrário, o contemporâneo e a corrida renovam os valores do herói solitário (pensemos no culto contemporâneo aos êxitos singulares e aventureiros de qualquer tipo), com uma ética das virtudes individuais, o valor, a lealdade, o dom de si mesmo.
A modernidade queria esconder a morte (simples "não vida", da mesma forma que se diz invisual em vez de cego), reduzi-la ao silêncio do frio das casas mortuárias ou à mecânica funcional dos matadouros. O contemporâneo e a corrida de toiros por sua vez, reconhecem que a cerimónia da morte pode contribuir para dar sentido à vida mostrando-a conquistada a cada instante sobre a possibilidade mesma da sua negação.
A arte moderna glorificava a vanguarda social e declarava o fim da "representação", o pós moderno mistura o popular e o erudito - como na corrida de toiros - que é a mais sábia das artes populares.
A pós modernidade, longe de opor o homem ao animal como nos tempos modernos, pressente que não há humanidade sem uma parte de animalidade, sem um outro a quem medir-se, como se o homem - hoje ainda mais que ontem - só pudesse provar a sua humanidade na condição de saber vencer, nele e fora dele, a animalidade na sua forma mais alta, mais bela, mais poderosa, por exemplo a do toiro bravo.
Os toiros já não são somente a Festa Nacional de Espanha. Com isso, os espanhóis perderam um pouco mas ganharam muito. Os toiros converteram-se em parte integrante da cultura da Europa meridional e, inclusivamente, património mundial. No passado mês de Abril em França, a Festa dos Toiros foi declarada Património Cultural Imaterial. Se calhar não é por acaso que o lema desse velho país europeu é liberté, egalité et fraternité; claro que Portugal e, mesmo Espanha, vão beneficiar desse facto.
Não sei se com isto consegui tranquilizar o meu amigo e convencê-lo que os netos dos meus netos terão, provavelmente, oportunidade de desfrutar deste fascinante espectáculo. Eu cá estarei para ver e se, entretanto, morrer, não faz mal porque estarão os netos dos meus netos para me contar!
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