Em tempos, havia o clero, a nobreza e o povo. Era assim que se aprendia noutros tempos, nos bancos da escola. Na época dos reis, era assim que o mundo se arrumava, em grupos ordeiros. Ninguém, de entre as centenas de pessoas que esperavam transporte, em Sete Rios, parecia pertencer ao clero e, muito menos, à nobreza. Restava o povo. Uma sociedade sem classes, aquela de Sete Rios.
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E o povo juntava-se em magotes, ordeiro e bem disposto, à espera que chegasse a sua vez. O povo já se habituou a ser tratado assim um bocadinho à balda e toda a gente acha assim um bocadinho normal que se faça um terminal rodoviário como o de Sete Rios.
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Antes era um barracão que se via da rua e onde se amontoavam as carruganes do metro, à espera de reparação ou coisa do género. Hoje continua a ser um barracão que se vê da rua e por onde se entra pela parte de trás. Foi pintado de novo, há um balcão logo à direita onde se lê "check-in" e outros balcões ao lado omde se lê, sempre, "multibanco fora de serviço". Em frente ficam as casas de banho, nome pomposo para as latrinas. No bar vendem-se as sandes, que são as mesmas de todos os terminais rodoviários. E em todos os bares de todos os terminais há uma moça que grita, esganiçada e de pescoço para trás, como a fadista do quadro do Malhoa, e que berra para a cozinha "é mais uma de chóriço".
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Os autocarros são um pouco mais modernos que os que outrora percorriam todos os lugares do Alentejo, como se procurassem clientes nos cantos mais recônditos. Que davam sempre a volta ao largo, em manobra apertada e depois partiam e deixavam atrás pó e silêncio. Como as camionetas azuis e vermelhas que chegavam a Moura e que tinham escrito de lado "a união faz a força". Como o velho autocarro que, há 25 anos, ía de Beja para Mértola, percorrendo todas as aldeias que conseguia encontrar e que parava para apanhar encomendas e que fazia sempre uma pausa no Vale de Açor para apanhar passageiros inexistentes e para o motorista beber um copo de vinho branco. "É tal e qual como no Líbano", disse-me uns dias depois o Dr. Tesk, que viera do Gemeentemuseum para ver cerâmica islâmica mas que passou afinal os dias a lavar cacos, a comer figos e a beber copos de vinho branco, como o motorista que parava em Vale de Açor.
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"Autocarro das 17.15 para Monte Gordo, autocarro 98, linha 15", anunciou uma voz roufenha e cansada. Era o meu. Esperava-me a viagem do pôr-do-sol. Noite fora, estrada fora, numa sociedade sem classes, em silêncio, até chegar à minha vila.
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