sábado, 28 de fevereiro de 2015

NÓS, OS LUSITANOS

Em "O domínio dos deuses", de Goscinny/Uderzo, os escravos de diferentes nacionalidades começam a cantar durante a realização de uma obra que, supostamente, devia ser silenciosa. Vão sendo dispensados. Às tantas...


Segundo li numa página da net (v. aqui), "existem diversas referências aos lusitanos, os quais são sempre baixinhos e educados, pois Uderzo disse que todo os portugueses que ele conhecera eram assim."

Exatamente. Cordiais, cumpridores, leais, trabalhadores, sossegados, etc. Uderzo interpretou isso muito bem. Merkel também...

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O FUTURO DUROU UM MÊS


Atenas, esta noite.


Do site da Aljazeera:

Greek protesters clash with police over austerity
Protesters hurled petrol bombs and stones at Athens police in the first riot since the leftist Syriza party took power.
           
Riot police try to avoid a Molotov cocktail during clashes after the end of an anti-government protest called by leftist groups in Athens [EPA]
Dozens of black-clad protesters have clashed with riot police in central Athens, smashing shop windows, throwing petrol bombs and burning cars after an anti-government march, the first since the leftist Syriza party took power a month ago.
Around 450 far-left protesters took to the streets on Thursday in opposition to the newly elected left-right coalition government of Prime Minister Alexis Tsipras, Reuters reported. Tsipras' administration made a deal with European Union (EU) partners last week to extend an aid programme to Athens.
The deal has triggered dissent within Tsipras' own party and accusations by some on the hard left that the government is going back on pre-election promises, including to end a much-hated 240b euro ($268b) EU-International Monetary Fund bailout programme.
After the march, about 50 anti-establishment protesters wearing hoods hurled petrol bombs and stones at police in Athens' central Exarchia district, a Bohemian quarter known as a haunt for artists and left-wing intellectuals.
A small number of shop windows and bus stops were also smashed or damaged during the violence.
The incidents, albeit on a small scale, mark the first public disorder against the government, which was elected on January 25 on a promise to write off a chunk of the country's debt and end painful austerity which has helped push one in four Greeks out of work.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

COSTA, O MAGNÍFICO OU QUANT'È BELLA GIOVINEZZA

Tinha este poema algures, num dos meus livros de juventude. Em italiano, com uma parte traduzida em português. Perdi o livro, tal como perdi o caderno onde anotara o poema. Tal como perdi a juventude, bem entendido. Os meus conhecimentos da língua italiana são limitados, mas a musicalidade das palavras de Lourenço, o Magnífico parece-me perder-se na tradução que consegui arranjar. Que bela é a juventude, que nos escapa contudo? Certamente. António Costa que o diga. De jovem, esperançoso e ambiciosíssimo político passou a menos jovem e muito menos esperançoso político sénior. Cada proposta ou afirmação dos últimos tempos tem sido motivo para balbúrdia. A regionalização, a polémica estéril sobre os fundo europeus, as declarações sobre os progressos no País nos últimos quatro anos revelam um político surpreendentemente impreparado. Quem quer ser feliz que o seja; não há certezas no amanhã. Decerto, sem dúvida. As limitações estão à vista. É por isso, ainda que não só por isso, que Lourenço, o Magnífico soa infinitamente melhor que Costa, o Magnífico.

Quant'è bella giovinezza,
che si fugge tuttavia!
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.


Il Trionfo di Bacco e Arianna

Quant'è bella giovinezza,
che si fugge tuttavia!
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Quest'è Bacco e Arianna,
belli, e l'un dell'altro ardenti:
perchè 'l tempo fugge e'nganna,
sempre insieme stan contenti.
Queste ninfe ed altre genti
sono allegre tuttavia.

Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Questi lieti satiretti,
delle ninfe innamorati,
per caverne e per boschetti
han lor posto cento agguati;
or, da Bacco riscaldati,
ballan, saltan tuttavia.

Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Queste ninfe hanno anco caro
da lor essere ingannate:
non può fare a Amor riparo
se non gente rozze e'ngrate:
ora insieme mescolate,
suonan, cantan tuttavia.

Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Questa soma, che vien dreto
sopra l'asino, è Sileno:
così vecchio, è ebbro e lieto,
se non può star ritto, almeno
ride e gode tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Mida vien dopo costoro:
ciò che tocca, oro diventa.
E che gioia aver tesoro,
s'altri poi non si contenta?
Che dolcezza vuoi che senta
chi ha sete tuttavia?

Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Ciascun apra ben gli orecchi,
di doman nessun si paschi;
oggi siam, giovani e vecchi,
lieti ognun, femmine e maschi;
ogni tristo pensier caschi:
facciam festa tuttavia.

Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Donne e giovinetti amanti,
viva Bacco e viva Amore!
Ciascun suoni, balli e canti!
Arda di dolcezza il core!
Non fatica, non dolore!
Ciò c'ha esser, convien sia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c'è certezza.

Quant'è bella giovinezza,
che si fugge tuttavia!


El Triunfo de Baco y Ariadna

Qué hermosa es la juventud,
a pesar de que escape!
Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.

Baco y Ariadna,
hermosos, ardiendo el uno por el otro:
porque el tiempo huye y engaña,
siempre juntos están contentos.
Esta ninfa y otras gentes
son felices todavía.

Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.

Los alegres pequeños sátiros,
enamorados de las ninfas,
por cavernas y bosquecillos
han puesto cientos de trampas para ellas;
ahora, calentados por Baco,
danzan y saltan todavía.

Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.

Las ninfas a su vez están contentas 
de ser engañadas por ellos:
nadie puede protegerse del Amor
sino la gente cruel e ingrata:
ahora mezclados unos con otras,
tocan, cantan todavía.

Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.

Esta carga que viene detrás, 
sobre el asno, es Sileno:
aún viejo, está ebrio y feliz,
si no puede mantenerse derecho, al menos
ríe y goza todavía.

Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.

Midas viene detrás de él:
aquello que toca, se convierte en oro.
Qué bien hay en poseer tesoros,
para el que no se satisface?
Qué placer creéis que siente
está sediento todavía?

Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.

Cada quién abra bien las orejas,
nadie se alimenta del mañana;
seamos felices, jóvenes y viejos,
alegres todos, mujeres y hombres;
desterremos cada pensamiento triste:
celebremos todavía.

Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.

Mujeres y jóvenes amantes,
viva Baco y viva Amor!
Cada quién toque, baile y cante !
Arda de dulzura el corazón!
Sin fatiga, sin dolor!
Lo que tenga que ser, será.

Quien quiera ser feliz, lo sea:
no hay certeza en el mañana.


Qué hermosa es la juventud,
a pesar de que escape!


DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS

Lembrei-me hoje deste filme, visto em 1977 ou 1978 no desaparecido Lido, na Amadora, na companhia de um amigo que, 40 anos depois, ainda encontro com regularidade. É uma obra de uma surpreendente maturidade, tendo em conta que Bruno Barreto (n. 1955) a rodou aos 21 (!) anos. Um filme divertido, malicioso, carnal, que talvez também não passe no crivo do blogger. Sónia Braga, então com uns esplendorosos 26 anos, era uma mulher entre o boémio marido falecido e o recatado marido vivo. Ouça-se O que será? cantado por Simone e veja-se este belo excerto. E tenha-se em mente que o filme foi rodado em Salvador da Bahia e que a última sequência é um dos finais mais hilariantes da história do cinema. Dona Flor e seus dois maridos, como escolha cinéfila desta semana.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

TODA A NUDEZ SERÁ CASTIGADA

Não vi o filme de Arnaldo Jabor, mas que o título é um achado, lá isso é. Vem isto a propósito do aviso do blogger, que também recebi: a partir de 23 de março, toda a nudez será proibida nos blogues. Sempre gostei do puritanismo, forma depurada e sublime da hipocrisia.

Provavelmente, terei de passar a alojar o avenida da salúquia algures (talvez no tumblr, até aqui mesmo dado a parvoíces). Até chegar o dia 23 de março, toma lá, ó blogger:

De cima para baixo, imagens previamente publicadas no meu blogue (e há uma do Mapplethorpe que é bem pior) - Masaccio, Goustave Courbet, Manuel Álvarez Bravo, Francesca Woodman, Irving Penn, Lucian Freud, Mario Algaze e William Ingram. Mais um poema de Diogo Fogaça.









 De Dioguo Fogaça a huuma dama muyto gorda, que se encostou a elle, & acahyram anbos, & ella disse-lhe sobre ysso mas palauras.

Que gentill feycam de damas!
nam sey como volo digua:
que tudo he cu & mamas,
& barrigua.
As mamas dam polo ventre,
o ventre polos joelhos,
& do cu at’oos artelhos
gordura sobresalente.
Arreneguo de tais damas,
he forcado que o digua:
ca tudo he cu & mamas,
& barrigua.
Corregeram na muy bem,
pero foy com muyta pena,
ca lhe fizeram querena
no rrio de Sacauem,
Reuolta d'ambalas camas;
ysto com muyta fadigua:
ca tudo he cu & mamas,
& barrigua.
Corregeram-lh’o costado,
mas a quilha fycou podre,
rramendaram-lh’a com hum odre,
do auesso trosquiado
& com tres peles de guamas
muyta estopa d’estrigua:
ca todo he cu & mamas
& barrigua
Nam prestou calafetar,
porque faz aguoa porfundo,
nam ha crespym no mundo
que lh’a podesse vedar.
Ho diabo dou taes damas
he forçado que o digua:
ca todo he cu & mamas
& barrigua.
Mas quebraram-lh’as estoras,
encostou-se sobre mym,
teue debayxo crespym
bem acerca de tres oras.
Ja rreneguaua das damas,
sayo, com muita fadiga,
debayxo de cu & mamas
& barrigua
.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

ARTUR PASTOR E O CASTELO DE MOURA

Fiquei quase envergonhado, ao tomar conhecimento (no facebook de Francisco Feliciano), da existência das fotografias de Artur Pastor (1922-1999). Envergonhado porquê? Porque desconhecia totalmente a extraordinária obra deste alentejano que, enquanto funcionário do Ministério da Agricultura, percorreu o País de lés-a-lés. Fotografava com uma Rolleiflex, usando negativos 6x6. As imagens são de uma extraordinária qualidade plástica e de uma enorme limpidez.

Três das imagens são do Castelo de Moura (talvez dos inícios dos anos 60). Irei agora contactar os organizadores das suas exposições. Preciso saber se há mais coisas destas bandas...

Ver mais em: http://arturpastor.tumblr.com/



segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A NOBRE CASA DE WINDSOR E UM FILM NOIR

"Olha, um filme do Woody Allen", exclamei, à passagem. "Como sabes?". Por causa da fonte usada nos créditos. É sempre a mesma. Veio a dúvida, claro. Ainda hoje duvido do sexo de Descartes... A dúvida metódica é feminina. Pedi a ajuda a S. Google. Bastou-me escrever Woody Allen font para surgir o esclarecimento. A fonte chama-se Windsor. E não sendo a wikipédia coisa de fiar, aqui vai a explicação: Windsor is an old style serif display typeface created in 1905 by Eleisha Pechey for the  Stephenson Blake type foundry. E mais: Beginning with 1977's Annie Hall, almost all the title sequences and credits of Woody Allen's films use sparse, white Windsor Light Condensed over a black background. Uf, ok. Não vi o filme de Woody Allen. Optei por Key Largo, de John Huston. Tinha-o visto em 1979 ou 1980 e era capaz de jurar então que era um dos melhores filmes do mundo. Arrependi-me amargamente de ter caído na tentação de o ver. Com todos estes anos e ainda não aprendi que não devemos ver, na idade adulta e já mais que adulta, os filmes mágicos da nossa juventude. Com o passar dos anos vai-se a magia e fica a intriga "o que me terá levado a gostar tanto deste filme?". A memória não traz resposta. Nenhuma, mesmo.


sábado, 21 de fevereiro de 2015

ENTRE ROMA E O ISLÃO

É o fim de um projeto e, de certa forma, um fim de percurso pessoal.

O livro é apresentado no próximo dia 7 de março, no Museu Regional de Beja. O início desta caminhada está lá atrás, no ano de 2010, quando se apresentou um projeto intitulado Entre Roma e o Islão. Nessa altura, tinha eu a certeza, a minha vida seria outra... À margem do projeto organizaram-se dois colóquios: Leituras do Sul Cristão (Mértola - dezembro de 2010) e Beja - imagens da cidade antiga (Beja - fevereiro de 2012). Fui co-responsável de ambos, o primeiro com Virgílio Lopes, o segundo com Maria da Conceição Lopes. Foram importantes balanços sobre a realidade de um território, em transição numa época (séculos V-X) ainda hoje mal conhecida. Depois, houve vários impasses. No meio de hesitações múltiplas, concluiu-se que a melhor forma de dar expressão a todo este esforço de investigação seria a edição de uma obra de síntese. Fui recebendo os textos, que passei depois à minha colega e amiga Susana Gómez Martínez. Coube-lhe a parte mais maçadora da tarefa: acompanhamento da maquetagem, contactos com os autores (raros são, mea culpa, mea maxima culpa..., os que respondem a horas), revisões, traduções etc. etc. Um trabalho que conheço bem e que exige muito de quem o faz. O trabalho final está magnífico, e para isso em muito contribuiu a TVM Designers.

FÉDIVER

Coloquei esta charge carnavalesca no meu facebook. Depois uma fotografia conjunta com o personificador Milton Costa. Deu direito a 525 likes ao todo.
Um pouco mais que quando escrevo sobre outros temas...


SORBONNE

"Que giro", comentei para o meu anfitrião, "dás aulas num anfiteatro de alguém com o teu apelido...". A resposta foi dada com um sorriso, entre o tímido e o orgulhoso "é uma coincidência, mas esse professor era o meu avô". Neto, filho e irmão de académicos ilustres, nascido em Cartago, aquele professor de Paris I conserva uma simplicidade e uma modéstia que está ao alcance de poucos. Impressionou-me um pouco a austeridade das instalações e do seu próprio gabinete. Passeou-me pelas salas e pelos corredores, onde o peso da própria História se faz sentir a cada passo. Ele, que tem escrito excelentes páginas sobre o Portugal Islâmico, que o diga.

A Sorbonne é uma instituição e um nome de prestígio. Vem isto a propósito de uma notícia que hoje saiu no "Expresso" e que lançou em mim uma enorme perplexidade. Título: "Portuguesa chega a vice-reitora da Sorbonne". Na página 23, a universidade é nobilitada e passa a Universidade de Sorbonne. Universidade de Paris é a designação de treze  (!) universidades públicas. Dessas treze, há três que ostentam o nome de Sorbonne: Paris I (Panthéon-Sorbonne), Paris III (Nouvelle-Sorbonne) e Paris IV (Paris-Sorbonne). A mais chique de todas é Paris I, pela sua centralidade e simbolismo. Outra coisa bem diferente é a Université Sorbonne Paris Cité (USPC), que federa vários estabelecimentos de ensino superior e da área da investigação, entidades essas que mantêm a sua especificidade própria.

A dispersão atual data de 1970, dispenso-me de explicar porquê. D'ailleurs, o cargo de recteur não existe em França há décadas. Atualmente diz-se président. E, naturalmente, vice-président.

Dou os meus parabéns à Prof. Isabelle de Oliveira: caso tenha sido eleita para esse cargo diretivo em Paris III, onde leciona, ou caso tenha sido eleita para o Conselho de Administração da USPC. A suivre.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CASTRO DA COLA

É, por muitas razões, uma das minhas fortificações preferidas. Algo como o falcão da malta da arqueologia medieval portuguesa.

A história da exploração do sítio é rocambolesca. O povoado islâmico foi escavado entre final dos anos 50 e 1964, quando Abel Viana faleceu. As peças foram inadvertidamente misturadas, perdendo-se o sentido de "contexto" que poderia dar alguma lógica a investigações posteriores. Não sei se há desenhos detalhados ou esquiços utilizáveis. Consultei, em tempos, os diários de campo, mas estes pouco acrescentam ou quase nada esclarecem quanto a algumas das dúvidas sobre o sítio: a fortificação era uma "celukia"? a estruturação de espaços e de poderes faz-se só depois da Reconquista? que tipo de habitat e de organização do espaço urbano existiria? Aí entramos no registo Medic, pedic, zed oblique, / Orphic, morphic, dorphic, Greek. / Ad hoc, ad loc and quid pro quo, / So little time, so much to know! É isso.50 anos volvidos, o falcão continua por descobrir...


"Planta da Fortificação, e da antiga Cidade da Colla, do qual se mostra o sistema de defensa que havia por aquelles sitios, para se confirmar a impossibilidade de vencer com pouco numero e sem socorro do omnipotente"

A letra G tem particular graça, com a menção a "sepulturas de generaes". (trata-se da maqbara, mas a referência a generais dá um tom empolgado ao desenho...).

O Castro da Cola fica perto de Ourique.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

DUAS IMAGENS INÉDITAS DO CASTELO DE MOURA

DUAS IMAGENS INÉDITAS DO CASTELO DE MOURA (c. 1940)
Foi um daqueles acasos do facebook. De repente, num grupo (Alentejanos no Facebook? Moura?) vimos aparecer uma fotografia aérea do Castelo de Moura. Não só a imagem nos era desconhecida como, surpresa maior, mostrava aspetos completamente inéditos do monumento.

Veio depois a apurar-se que as fotografias pertenciam a Mário Tavares Chicó (1905-1966), professor de História da Arte na Faculdade de Letras de Lisboa. Tê-las-á encomendado à Força Áerea. As cópias que se conservam estão depositadas na Fundação Mário Soares. Perdeu-se, entretanto, o rasto aos microfilmes originais.
Em primeiro lugar, e dado mais relevante, o Convento de Nossa Senhora da Assunção surge em toda a sua dimensão. Já algo arruinado, é certo, com vastos troços sem telhado, mas, ainda assim, ocupando uma área muito superior à da atualidade. À igreja e ao corpo que, a norte, ainda se conserva, juntavam-se muitas outras dependências. Aparentemente, não disporia de um claustro de grandes dimensões, mas tinha três pátios ou jardins. A cerca do convento está perfeitamente marcada, dando expressão à operação urbanística que D. Ângela de Moura levou a cabo no século XVI. Quase tudo foi varrido pelas demolições realizadas a partir do início da década de 40.
Em segundo lugar, lê-se, com toda a nitidez, a malha urbana intra-muros. As ruas do castelo, que deram depois lugar ao terreiro que, na atualidade, nos é familiar, estavam bem marcadas. Há casas “penduradas” na muralha norte. Outras ocupavam a barbacã. Eram espaço de habitação de dezenas de famílias.
Finalmente, são identificáveis espaços hoje desaparecidos, dentro e fora do castelo: os arruamentos da Praça, com um traçado diferente daquele que hoje conhecemos; a entrada da Primeira Rua da Mouraria, com um alinhamento que uma obra de inícios dos anos 70 alterou; o casão da Água Castello, na alcáçova, demolido pouco depois de 1990.
Punha-se, depois, uma dúvida importante: de quando datavam estas imagens? As hipóteses iniciais (1930-35) foram eliminadas, depois de uma análise mais detalhada levada a cabo por um de nós [JFF].
1) As casas sem telhado que se podem ver na imagem, também estão em fotografias de Zambrano Gomes datadas de 1938.
2) O aspecto do espaço junto à igreja de São Francisco no inicio na década de 30 era como na fotografia que lhe envio em anexo. Estas imagens aéreas já apresentam algumas demolições para construção do jardim, as quais terão começado em 1937-1938.
3) Embora não muito visível, o dispensário (1935) já se encontra construído, inserido no Jardim.
4) Praça Sacadura Cabral: embora já antes ali existissem árvores, a arborização da praça tal como se vê na imagem, bem como outros arranjos que incluíram a colocação de bancos ocorreu em 1934. Mais tarde acabaram por ser retiradas as palmeiras (talvez em 1937-1938, uma vez que numa imagem de 1936 de Zambrano Gomes ainda se podem ver as ditas palmeiras). 
5) A demolição da cúpula da torre sineira da Igreja de São João Baptista ocorreu em 1939. Portanto a fotografia tem que ser posterior a essa data, uma vez que a cúpula já lá não se encontra.
6) As primeiras demolições no castelo iniciaram-se em 1942, tendo começado pelo bloco junto à Torre de Relógio. Numa das imagens ainda são visíveis estas construções.
Ou seja, parece provável que as fotografias datem de 1940 ou 1941. Encomenda feita aos militares, naturalmente, num altura em que a 2ª Guerra estava ao rubro e em tempos em que a segurança do regime não dava quaisquer folgas.
Eis um troço menos conhecido da história de Moura, que aqui deixamos aos leitores de “A Planície”.
Santiago Macias (Historiador)

José Francisco Finha (Historiador)



Texto publicado em "A Planície" de 15.2.2015. Há muitas maneiras de amar uma cidade. Estudá-la e divulgá-la é uma dessas formas.