sexta-feira, 31 de julho de 2015

DE COMO ONTEM ESTIVÉMOS À SOMBRA DA ÁGUA

Cerca de 200 pessoas estiveram, ontem à tarde, na inauguração da exposição Água: património de Moura, com a qual se abriu ao público o antigo Matadouro Municipal. Materiais, imagens, documentos e recordações constroem um percurso, que está ligado de muito perto à história da própria cidade. A próxima exposição será inaugurada em julho de 2017. Terá como tema a geologia e os materiais da região.


Texto de abertura da exposição:
A história de Moura começa no castelo. À sólida posição defensiva que o cerro mais alto da cidade proporcionava, vieram juntar-se os férteis terrenos à sua volta e a abundância de água que carateriza este território. Estava encontrada a chave do crescimento da cidade ao longo dos séculos. As Memórias Paroquiais de 1758 sublinham bem esse facto, ao referir que “entre as innumeráveis [fontes] que há dentro e fora da villa, he mais célebre a que rebenta no interior do castello (...). Não se sabe a sua origem, mas he tam céllebre que secando-se muytos annos os outros aqueduttos da villa sem excepção, e quantas dellas imanam nunca experimentarão em suas ágoas deminuhição levíssima”.


Foi à sombra dessa água, e da sua permanente presença, que a cidade cresceu e prosperou. Naquele tempo não se conhecia ainda a explicação científica para tal abundância, nem que um caudal subterrâneo era a causa do fenómeno.

Mais de dois séculos e meio depois a água continua a vir das profundezas.
E a ser a garantia do futuro.


Ficha técnica da exposição:

Realização
Câmara Municipal de Moura

Curadoria e textos
Santiago Macias

Comissariado Executivo
Vanessa Gaspar
Marisa Bacalhau

Projeto Expositivo
Patrícia Novo

Coordenação geral da produção
TerraCulta – Consultoria, Produção e Gestão Cultural - Francisco Motta Veiga

Consultoria museográfica
António Viana

Design gráfico
Silvadesigners

Créditos fotográficos
António Cunha
Fábio Moreira
Jorge Gaspar
Zambrano Gomes
ADASA – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental de Santo Amador

Arquivo Histórico Municipal João Francisco da Mouca
Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa
Foto Almeida
Museu da Água Castello

SkyEye

Quadro do Rio Guadiana
José Mendes Alves (Zé Nela)

Desenho do Aquífero Moura-Ficalho
Augusto Marques da Costa

Luminotecnia
Vitor Vajão – projecto
Manuel V. A. Delgado – montagem


Som
Jorge Murteira

Construção e montagem
J. C. Sampaio
Produção gráfica
B.A.R. – Branco às Riscas

Apoio à montagem – obras e infraestruturas
José Filipe Martinho

Apoio técnico
Alberto Ramos
– seleção de materiais contemporâneos

José Francisco Finha
– consultor fotográfico
Luísa Almeida
– inventário de peças arqueológicas

Manuel Passinhas da Palma
– restauro de materiais
Mário Machado
– desenho de peças arqueológicas

Marta Coelho
– inventário de peças arqueológicas


Parceiros
Mineraqua Portugal – Água Castello
Bombeiros Voluntários de Moura
Turismo do Alentejo, E.R.T.
ADASA – Associação de Defesan
do Património Cultural e Ambiental de Santo Amador
Águas Públicas do Alentejo
EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva


Colaboração
AlquevaTours
Break! Momentos Fantásticos

Clube H2O de Moura
Clube Mourense Amadores de Pesca e Caça Desportiva

Jornal “A Planície” 










quinta-feira, 30 de julho de 2015

... O ARDILA E GUADIANA

O título corresponde ao final de uma estrofe, muito conhecida na minha terra. Estas duas imagens estão na exposição Água: património de Moura, que inaugura logo mais. São fotografias extraordinárias, cujo autor desconheço. A primeira é um milagre de profundidade de campo e de enquadramento. Pode ter sido um acaso, mas é um acaso cheio de feeling e de sensibilidade. Com reflexos na água, com o Ardila que se esbate ao longe. A segunda é um prodígio neorrealista. Em primeiro plano, temos Romão António Borralho "Romão da Barca" (falecido em 1986), uma das figuras mais populares de Moura no século XX. Está tudo certo na imagem, até a escassa qualidade da cópia... É quase um sfumato. E o enquadramento não podia ser melhor. Quase se ouvem as vozes de comando e se sente os esforço dos remadores. Outro acaso? Será, mas é mais um acaso genial.


quarta-feira, 29 de julho de 2015

CAMISA AMARELA

É um filme popular e sem datação possível. A intelectualidade lusitana, sempre distante dos gostos populares, olhou/olha com desdém esta farsa alfacinha, cheia de caricaturas e de graças intemporais. Tenho dificuldade em entender como se faz um remake de uma obra como esta. Porque acho que os intelectuais urbanos da Lusitânia estão a milhas do sentir popular. Sei do que falo, juro! Verei, juro!, o filme que agora se estreia. Vou cheio de reservas. Se não tiver razão, darei a mão à palmatória. Nesta cena de O pátio das cantigas, o destaque vai para Maria da Graça (1919-1995), que canta Camisa amarela, um samba imortal de Ary Barroso, datado de 1939. Confesso que a interpretação que me faz arrepios é a de Gal Costa. Mas esta tem imensa graça, em especial pelo detalhe do disco partido...

Viva O pátio das cantigas, filme de 1942. É o filme destes dias.

terça-feira, 28 de julho de 2015

ALGARVE - VII: O AMOR NOS TEMPOS DE CÓLERA

Já quase desaprendera de ler... Recuperei este velho hábito. De forma compassada. 360 páginas divididas, aritmeticamente, por 6 dias. Nem mais uma, nem menos uma. Tinha o livro há quase 30 anos e nunca me abalançara à leitura. Curiosamente - em casa de ferreiro, espeto de pau -, era eu quem fazia uma sumaríssima catalogação dos livros. 860(8) M para este título da literatura sul-americana. Espero não me ter enganado. Ou deveria ser o G a prevalecer?

O sulfuroso calor das Caraíbas quase se desprende das páginas. A escrita é eletrizante e não faltam boas frases. Podia ter escolhido algo mais descontraído, mas não, foi mesmo um regresso a um dos autores preferidos.

Uma frase quase ao acaso (p. 184):
"(...) Florentino Ariza descobriu essa parecença muitos anos depois, quando se penteava ao espelho, e só então compreendera que um homem sabe quando começa a envelhecer porque começa a parecer-se com o pai"


segunda-feira, 27 de julho de 2015

ÁGUA - PATRIMÓNIO DE MOURA: 30.7.2015 (19 horas)

A exposição “Água – Património de Moura: identificação de um concelho” é inaugurada no edifício do Museu Municipal (antigo Matadouro), na próxima quinta-feira, 30 de Julho, às 19 horas.

O certame é inaugurado pelo presidente da Câmara Municipal de Moura, Santiago Macias, sendo a sessão aberta ao público. Estão cerca de 80 peças em exposição, de diversas proveniências, com destaque para os materiais arqueológicos e do Museu da Água Castello. As peças procuram dar uma visão abrangente dos diferentes tipos de uso da água.

O objectivo da exposição é valorizar o potencial da água no concelho de Moura, nas suas diversas componentes (consumo humano, agricultura, turismo), tomando como ponto de partida a excecionalidade da sua presença no ponto mais alto da cidade.

A exposição estará patente ao público de 30 de julho deste ano a 31 de maio de 2017 e durante este período será desenvolvido um programa de trabalho e de animação em torno da água.

Com a exposição “Água – Património de Moura: identificação de um concelho” a Câmara de Moura dá início à utilização do antigo Matadouro enquanto espaço do Museu Municipal.

A exposição está integrada no programa de promoção turística do concelho de Moura e representa um investimento de 91 mil euros, dos quais 60 por cento são comparticipados por fundos comunitários, através do Proder (Programa de Desenvolvimento Rural).

Na realização da exposição, pela Câmara Municipal de Moura, são entidades parceiras a Água Castello, a EDIA, os Bombeiros Voluntários de Moura, a ADASA (Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental de Santo Amador), a empresa Águas Públicas do Alentejo (AgdA), a Entidade Regional de Turismo, a Break – Momentos Fantásticos, a AlquevaTours, o Clube Mourense Amadores de Caça e Pesca Desportiva, o Clube H2O e o Jornal "A Planície".

NOTA DO GABINETE DE COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA

ALGARVE - VI: GEOESTRATÉGIA BALNEAR

Os conflitos no Mediterrâneo davam, há tempos, mais violentos e decisivos passos. Estava à conversa com um construtor com interesses turísticos no Algarve. Com a frieza pragmática dos negócios disparou "isto vai ser muito bom para nós". Não lê o Guardian ou Observer, nem o Washington Post ou o Le Monde. Pertence aquela classe de empresários com escassa formação escolar, anónima e diligente, que muitos articulistas da grande imprensa votam ao mais completo desprezo. Ainda os primeiros textos não estavam a ser preparados, ou as primeiras avaliações a serem pensadas, e já aquele homem deitava contas à vida. "Isto vai ser bom, os franceses vão vir em massa". Não falhou nem um pouquinho. Nunca vi tanto francês por estas bandas como este ano...


domingo, 26 de julho de 2015

ALGARVE - V: KABUKI NA PRAIA DA ROCHA

Há muitos anos, uns 40 ou 45, os nórdicos chegavam às praias do Algarve e, ao fim de dois ou três dias, ficavam como lagostas. O João achava que "assim é que é", porque os nórdicos eram mais evoluídos e eles é que sabiam. Na altura não se falava em cancros de pele e quase se faziam concursos a ver quem ficava com um ar mais desgraçado.

Os tempos mudaram. Ou quase. Há dias, na Praia dos Castelos, dei com uma família loiríssima que se tinha esquecido das mais elementares precauções. Tinham ar de marisco cozido. Vá lá um cristão saber porquê, preocupavam-se em especial com a cabeça, que tinham barrado com uma espessa camada de creme branco. Queixo, faces, testa, orelhas, tudo. Consegui não me desmanchar, enquanto perguntava ao meu jovem companheiro de passeio, "sabes o que é o kabuki?". Ele sabia. Só achou que tenho pouco juízo...

sábado, 25 de julho de 2015

ALGARVE - IV: MANUEL TEIXEIRA GOMES

Ia-me elle contando as pericpecias da sua pesca, mas de repente pára e aponta para uma furna distante, visivel pelas frinchas que a perspectiva das rochas abre ao acaso: dentro estão duas mulheres sentadas, dobrando os chales com geito de quem se vae despir.

O rapaz não as conhece e observa:

-"Devem ser do campo e pensam que ninguem as vê...; a apostar que se vão despir e que a gente as vê nusinhas..."

- "Deixa-as lá..."

Despem-se com effeito, entre risos que mal ouvimos. Ambas são trigueiras comquanto mostrem nos braços uma alvura que os rostos não fazem suspeitar. Differem consideravelmente na edade. A uma d'ellas alteia-lhe a camisa no peito com exuberancias d'amojo e na outra cahe em pregas pelo gracil corpinho abaixo. Riem; riem muito, a porfiar qual d'ellas ha de primeiro despir a camisa. É a mais nova que se decide: mostra no torneado tronco dois meios limões agudos onde a outra põe logo os labios; depois esta abre tambem a camisa, soltando os tumidos seios maduros que a outra apalpa. Recrudescem os risos...

Mas esta scena dura apenas momentos porque ellas logo enfiam as saias brancas pela cabeça, perscrutando medrosas com a vista, em redor, e, erguendo-se, desapparecem por detraz das rochas.


Excerto do livro Agosto Azul, de 1904, que já por aqui andou. É seu autor Manuel Teixeira Gomes (1860-1941), este senhor de ar muito distinto que vemos no quadro. Viria a ser Presidente da República (entre 6/10/1923 e 11/12/1925). Nasceu em Portimão e faleceu em Bougie, na Argélia.

ALGARVE - III: ZAMBRANO GOMES

O fotógrafo é o "mourense" Zambrano Gomes. Há muitas imagens dele recolhidas na região algarvia. Um número bastante substancial reporta-se à zona de Lagos. São, hoje, registos com um valor acrescido, uma vez que esta costa há muito desapareceu. Os registos pictóricos são raros. Os grandes naturalistas de finais do século XIX andaram por outras paragens (Henrique Pousão por Capri, João Vaz na zona de Setúbal, Silva Porto mais a norte) e faltam-nos registos de superior qualidade.

Até aos seus últimos anos de vida havia de evocar aquela viagem, cada vez mais presente na memória, com a lucidez perversa da nostalgia. Este excerto do livro que agora leio, muito tardiamente, traz-me à memória sítios e a noção do tempo. A paisagem mudada está presente em recordações há muito vividas.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

ALGARVE - II: ANTÓNIO VICENTE DE CASTRO

Deixemos a Estrada da Rocha para trás. O caminho é agora outro, à esquerda e para o interior. Sou arrastado para uma coisa chamada Decathlon. Entro por instantes e regresso ao parque de estacionamento. Reparo então num edifício, afogado entre uma rotunda e uma via rápida. É um exemplar extraordinário de arquitetura moderna. Está abandonado e mergulhado na solidão. Há portas entaipadas e um ar de ruína anunciada. Não conheço o edifício. Na fachada lê-se "Adega Cooperativa de Portimão". Uma rápida pesquisa revela-me o nome do seu autor, António Vicente de Castro, que assinou outros projetos de grande qualidade na região algarvia.

A região algarvia alberga um importante conjunto de obras arquitetónicas dos anos 50 e 60. Não sei se há alguma publicação/estudo de conjunto deste período. Oxalá que sim.



MAISÓMENOSISTO


Entrada nas salsas ondas, logo mais à tarde.

Assim, mas em versão masculina (sem saiote) e com menos estilo.

A água deve estar fria, brrr...

Anna Duncan (na verdade Anna Denzler), numa imagem de 1919, em Long Island. Fotógrafo: Arnold Genthe (1869-1942).

quarta-feira, 22 de julho de 2015

ALGARVE - I: CARLOS PORFÍRIO

Da Estrada da Rocha corta-se à esquerda. Daí segue-se para o forte. A paisagem é um desolação de blocos de habitação. Não se vê o mar. A paisagem foi privatizada por arquitetura-ó-patego-olhó-balão. Ao fundo da Av. Tomás Cabreira há uma extraordinária vivenda modernista. É o melhor momento do dia. Ao fundo vê-se Ferragudo e as suas falésias, cuja beleza de outrora foi delida sem remissão.

Carlos Porfírio (1895-1970) já não encontraria este seu Algarve rural nos dias de hoje.

terça-feira, 21 de julho de 2015

DIA DE PROCISSÃO

A festa acabou ontem. Domingo foi dia grande na cidade de Moura. Um dos momentos principais da festa é a procissão. Este ano, a Câmara Municipal associou-se (ainda mais) à festa. As janelas dos Paços do Concelho e de outros serviços municipais foram devidamente engalanadas: mais de 40 colchas colocadas para a passagem da procissão. Um grupo de seis funcionárias organizou, com todo o afinco, a logística necessária. Os trabalhadores da CMM foram convidados a assistir à passagem da procissão. Mais de duas dezenas aderiram. Alguns familiares se lhes juntaram. Para o ano serão mais, tenho disso a certeza.





segunda-feira, 20 de julho de 2015

AUDAX, MINURO E DITALCO

Exposição sobre Viriato na banda desenhada. Iniciativa do sempre ativo Carlos Rico. O Estado Novo usou e abusou da figura do irredutível lusitano, ao qual colou outro simpático mito, o de Sertório. Dos livros da escola primária ficara-me os nomes dos maus da fita: Audax, Minuro e Ditalco.

"Regressei" a Viriato muitos anos depois, por conselho de Susana Correia. Preparava eu a exposição Moura na época romana, em 1987, quando senti a necessidade de ler algo que me enquadrasse melhor naquele mundo. Sugeriu-me a leitura de A voz dos deuses, de João Aguiar (1943-2010). Resultou em pleno. A escrita envolvente de João Aguiar levou-me pelo tempo fora, acompanhando a saga de Viriato. Aquele trabalho histórico-literário foi inspirador. E levou-me, quando preparo exposições, a ler textos não-técnicos, mas relacionados com a temática de trabalho.

Dois dados, a que acho graça:
1. Viriato não seria dos Montes Hermínios, mas antes, e com toda a probabilidade, alentejano ou ribatejano;
2. Pastor, frugal e tal, mas casou com a filha de Astolpas, um rico proprietário.
Pois...

domingo, 19 de julho de 2015

TEUS OLHOS


Teus olhos, Honorine, cruzaram oceanos, 
longamente tristes, sequiosos, 
como flor aberta nas sombras em busca do Sol. 
Vieram com o vento e com as ondas, 
através dos campos e bosques da beira-mar. 
Vieram até mim, estudante triste, 
dum país do Sul.



Personagens originais: Ruy Cinatti (1915-1986) e Nan Goldin (n. 1953). Um e outro com percursos à margem das convenções. Para contrabalançar o meu convencional domingo de festa aqui fica um registo um pouco diferente.

sábado, 18 de julho de 2015

EUNICE MUÑOZ & MÁRIO ZAMBUJAL

Noite de homenagem a Eunice Munõz e a Mário Zambujal. Uma iniciativa da Comissão de Festas de Santa Maria 2015, à qual a Câmara Municipal teve a oportunidade de se associar, na passada semana. Uma noite marcada pela presença de artistas locais. Eunice Muñoz e Mário Zambujal estavam felicíssimos. Isso notava-se na expressão deles e ficou bem evidente nas sentidas palavras que nos deixaram.

A Mário Zambujal devo a enorme simpatia de ter apresentado, por duas vezes, um livro meu: na FNAC e em Moura, em 2001. A Eunice Muñoz devo a mais extraordinária peça a que assisti (v. aqui). Tive a oportunidade de lhes agradecer esses factos.




sexta-feira, 17 de julho de 2015

O RAMADÃO E A LARANJADA DE BOURGUIBA

Acaba hoje o Ramadão. Pouca gente se atreve, nos dias que correm, a contestar o jejum praticado neste mês, embora tenha ouvido muitos amigos muçulmanos criticarem a sua razoabilidade. Em agosto de 2013, 500 argelinos tomaram uma refeição pública em Tizi Ouzou, em pleno Ramadão, como forma de protesto face à "islamização" do País.

Retomo aqui um texto escrito para o jornal "A Planície" em novembro de 2005 e publicado no blogue no verão de 2009.


RAMADÃO EM TUNIS

Habib varreu a Praça da Qasbah com um gesto largo: "todo este terreiro estava cheio. Haveria talvez 15 ou 20 mil pessoas. No topo, onde está o edifício da Câmara Municipal, Bourguiba discursava à multidão".

Em pleno mês do Ramadão, Bourguiba permitia-se cuspir fogo sobre o mês sagrado dos muçulmanos. Em 1960 isso era possível. Bourguiba clamava que o Ramadão era um prejuízo para a sociedade. E que o facto das pessoas passarem um longo período sem trabalhar levava à paralisação do país. E que tudo aquilo não passava de um enorme equívoco e de um terrível absurdo. A meio do discurso Bourguiba atreveu-se a beber uma Fanta. A multidão, entusiasmada, aplaudiu.

Habib termina o relato quando a chuva começa a cair com mais força. A tempestade sublinha a escuridão da noite e só a luz dos candeeiros dá vida à Praça da Qasbah. O largo está deserto e é difícil imaginar a multidão e, mais ainda nos nossos dias, o discurso de Bourguiba. Horas antes cruzara a pé uma Tunis sem vivalma. Nem um carro à vista, os eléctricos parados e sem luz, um silêncio absoluto. Uma cena de filme do apocalipse. O fim do dia marca o fim do jejum durante o mês do Ramadão e as famílias reunem-se à volta da mesa, numa festa quotidiana que se prolonga durante 30 fins de tarde. Durante aquela hora a vida pública desaparece e as ruas são percorridas por um torpor que não tardará a desaparecer.

O jejum generaliza-se nos tempos que correm. A pressão social e religiosa chegaram mais longe que o laicismo de Bourguiba. E o episódio da Fanta parece hoje longínquo e à margem da realidade. A Tunísia continua laica, mas talvez menos. Embora Bourguiba tivesse razão. Durante o Ramadão a produtividade baixa a nívies sem paralelo. E depois, assegura-me o palestiniano Sa'd Nimr, que não jejua, "as pessoas andam irritadiças, a concentração é menor, há mais acidentes de automóvel e as coisas correm mal no dia-a-dia".

É este um mês de reflexão, tolerância e oração? Muhammad Najjar, jordano, duvida que assim seja. No fundo, para muitos é uma obrigação, cumprida com sofrimento e sem verdadeira e profunda convicção. O aspecto espiritual é desvalorizado e o compromisso social ganha o primeiro plano. Muhammad é lapidar e pragmático: "não é que as pessoas façam jejum; simplesmente deixam de comer".

O Ramadão é um mês de jejum e oração. Os muçulmanos não devem tomar qualquer refeição entre o nascer e o por-do-sol. O final do Ramadão é marcado por uma grande festa, chamada Aid el Fitr e que este ano [2005] terá lugar a 2 de Novembro. O próximo Ramadão inicia-se a 24 de Setembro e termina a 22 de Outubro de 2006.
.
Crónica publicada em A Planície de 1.11.2005

quinta-feira, 16 de julho de 2015

TOMATADA MALIANA

Entro na taberna. Alguém me pergunta:

- Onde é que comprou essa camisa?
- No Mali.
- Sabe o que é que esse padrão me faz lembrar?
- Sei lá...
- Uma tomatada.

A taberna rebentou em gargalhadas. Eu incluído.


quarta-feira, 15 de julho de 2015

MINHOCA FASCISTA



O fascismo é uma minhoca (não é? lá isso é) 
que se infiltra na maçã (não é? lá isso é) 
ou vem com botas cardadas 
ou com pezinhos de lã

(de uma canção de Sérgio Godinho)

UMA FESTA NOVA EM CADA ANO


É o grande momento do calendário da nossa cidade. Tal como os antigos se orientavam pelo sol e pelas estações do ano, nós guiamos o nosso tempo pela Festa de Nossa Senhora do Carmo. Há, no tempo que passa e no relógio de todos nós, um “antes” e um “depois” da festa.

Este ano, tudo se vai passar entre os dias 16 e 20 de julho. O nosso quotidiano vai alterar-se e viveremos em função de acontecimentos em tudo diferentes dos do resto do ano. De quinta à tarde até terça de madrugada há momentos que fazem parte desse calendário rápido e que todos os mourenses conhecem. São familiares a todos o ato formal da abertura e do desfile inaugural, o fogo de artifício, a procissão de domingo à tarde, o fim de festa com música popular e com a multidão que invade o recinto da feira.

O grande acontecimento da Festa de Nossa Senhora do Carmo é a procissão de domingo. Vamos todos, os crentes, os ateus e os agnósticos. O percurso é antigo (a procissão em honra do D. João VI, em julho de 1816, percorreu as mesmíssimas ruas) e bem conhecido de todos. Escrevi, em 2001, estas palavras: “acima das nossas cabeças, as janelas vestem as suas melhores colchas, uma homenagem cheia de cor à fé que vai passando. Em baixo continua o desfile, pelo qual esperaremos várias vezes. Apanhamo-lo na primeira esquina, esperamos que passe, iremos adiante, veremos as mesmas pessoas, ultrapassaremos a multidão  mais uma, duas, três vezes, até tudo acabar, já com o Sol a pôr-se lá longe, por detrás dos cerros e das escarpas que separam o Alto do Baixo Alentejo.” Poderia escrever, hoje, exatamente o mesmo texto. Daqui a cinquenta anos será mais ou menos assim.

Este ano, a Praça estará um pouco diferente. Achámos que era o momento de se expressar apoio à Festa e à sua Comissão de outra maneira. As janelas dos edifícios camarários terão colchas a engalanar um pouco mais o centro da cidade e a darem um pouco mais de brilho à procissão. A ideia foi acolhida com entusiasmo pelas trabalhadoras da autarquia, peça essencial nesta iniciativa. É apenas um gesto, bem sabemos. Mas é um gesto pleno de simbolismo, e que pretende contribuir para demonstrar o orgulho da nossa terra. Sem limites nem concessões.


Em momentos como este o meu agnosticismo pouco conta. Moura, a Festa, a Comissão contam muito mais.

Texto publicado hoje em "A Planície" (fotografia de António Cunha, do livro "Moura - crónica da festa", editado pela CMM em 2001)

terça-feira, 14 de julho de 2015

55,6% DE ESQUERDA? 41,7% LIBERAL?

Resultado de um teste na net:

55,6% esquerda (só?); 41,7% liberal (tanto?)
Esta noite vou dedicar-me à meditação...
Onde é que terei falhado (nos últimos 52 anos, quero eu dizer)?

O DECLÍNIO DO INTERIOR

Por várias vezes tenho abordado este assunto. Em novembro de 2013 escrevi, num artigo/carta a um jovem “o concelho [de Mértola] perdeu, nos últimos cinquenta anos, 72% da população que tinha. Sim, leste bem, 72%. Não ligues a demagogias de momento. A culpa não é da Câmara PS, tal como antes a culpa não foi da Câmara CDU. Precisamos de um pouco mais do que de momentâneas demagogias para explicar o que se passa no interior deste nosso País”.

O problema é estrutural e o padrão fácil de constatar. Mais difícil de explicar de forma detalhada e muito mais complicado de resolver. O interior despovoa-se? É um facto. Quanto mais periférico e/ou raiano o concelho, pior é a situação. Todos os concelhos destas terras esquecidas pelos homens se afundam e perdem população. Comparando com os censos de 1960 (quando um Portugal ainda agrícola atinge o pico demográfico) eis a perdas do censo de 2011:

Moura: – 48%
Serpa: – 52%
Barrancos: – 43%
Mértola: – 72%
Ferreira do Alentejo: – 45%
Alvito: – 48%
Cuba: – 35%
Vidigueira: – 44%
Ourique: – 64%
Almodovar: – 54%
Aljustrel: – 49%
Castro Verde: – 37%

Se compararmos Moura com outras duas cidades alentejanas da mesma dimensão temos:
Estremoz: – 38%
Montemor-o-Novo: – 53%

Se passamos ao interior algarvio raiano o resultado é este:
Alcoutim: – 69%

Se subimos ao longo da raia, o panorama piora:
Idanha-a-Nova: – 68%
Penamacor: – 66%
Sabugal: – 67%
Almeida: – 55%
Mogadouro: – 55%
Vinhais: – 66%

Eis os números, em toda a sua frieza. Podemos, nas autarquias, fazer todos os contorcionismos. Só com o nosso esforço, não vamos lá… São necessárias políticas nacionais de desenvolvimento e de justiça social para combater estas (e outras) assimetrias…

A abandonada aldeia de Safira, no Alto Alentejo