Recebi, no sábado, convite de Zélia Parreira (diretora da Biblioteca Pública de Évora) para subscrever o documento que se segue. Assinei a petição, com todo o gosto. Grande parte de minha vida profissional foi passada em bibliotecas. Tenho as minhas preferidas (a Nacional de França, em Paris; a do Instituto Arqueológico Alemão, em Madrid, como locais de trabalho), mas a que gostava mesmo de visitar era esta:
Bem entendido, importantes mesmo são as nossas. As da rede de leitura pública e todas as outras. Aquelas por onde andei, e ainda ando. Sem ter começado por elas, nunca teria frequentado as outras. Sem a pacatez da Biblioteca de Mértola, os livros da Mouraria e de Bolama não teriam sido terminados.
Exmo. Senhor Presidente da República,
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República,
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,
Exma. Senhora Ministra da Cultura,
Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo da Associação Portuguesa de Municípios Portugueses
As Bibliotecas são uma das instituições mais democráticas da sociedade. Ao longo da vida, todos os cidadãos acedem às Bibliotecas e usufruem dos seus serviços de forma gratuita e universal: espaço de leitura e empréstimo de livros, jornais e revistas, acesso à internet, espaço de estudo, investigação e trabalho, imaginação e criação, local de conversa e debate de ideias, de realização de atividades lúdicas, exposições, conferências, encontros com autores e criadores.
São lugares que combatem o desemprego através do apoio à procura de emprego e da qualificação dos trabalhadores, reduzem os níveis de iliteracia da população, promovem atividades de formação, fomentam a literacia digital, incluindo o apoio assistido na prestação de serviços online por forma a servir melhor o cidadão. São lugares de proximidade e afetividade, que ligam as pessoas, combatem a solidão, estimulam as competências sociais, tornando as comunidades mais coesas. A par com a rede escolar, a rede de serviços de saúde ou os serviços de protecção civil e segurança, estão implementadas em todo o território nacional. São lugares que não podemos dispensar.
As bibliotecas foram das primeiras instituições a encerrar os seus espaços durante o período de confinamento devido à epidemia da COVID-19, e das primeiras a reabrir. Durante este período continuaram a trabalhar e, apesar das fragilidades, adaptaram-se a esta nova realidade, reinventando-se rapidamente no meio digital, em resposta à crescente procura e pressão dos cidadãos, incluindo muitas pessoas que habitualmente não as frequentavam.
Não obstante, as Bibliotecas têm vindo a ser negligenciadas na política cultural, e praticamente ignoradas no quadro atual das medidas extraordinárias de apoio à cultura.
Tendo em conta que:
- Somos agentes ativos e de proximidade nas nossas comunidades e estamos disponíveis para ajudar a reconstruir o tecido cultural, social e económico.
- Chegamos a um público heterogéneo e transversal à sociedade portuguesa, com utilizadores de todas as idades, estratos sociais e convicções, sem discriminação de qualquer tipo.
- Facilitamos o acesso às tecnologias digitais e à Internet, contribuindo para diminuição da brecha digital, através da disponibilização de equipamentos, rede Wi-Fi e da formação dos cidadãos nestas áreas.
- Promovemos o uso ético e crítico da informação nas mais diversas áreas, das quais destacamos, nesta fase, o combate às notícias falsas e a informação de saúde pública e familiar.
- Somos elementos chave na rede cultural dos municípios, apoiando e promovendo os criadores e as livrarias locais.
- Num país assimétrico, somos frequentemente o único instrumento de combate à infoexclusão e contribuímos para o desenvolvimento dos territórios mais periféricos.
- Recolhemos e valorizamos o património cultural imaterial e a memória local, elementos estruturantes da identidade das comunidades.
- Constituímos uma rede de apoio à investigação e ao acesso à informação científica.
Propomos que:
- As Bibliotecas sejam incluídas e valorizadas como agentes na política de recuperação para o sector cultural promovida pelo Ministério da Cultura.
- Seja restabelecido o Conselho Superior das Bibliotecas Portuguesas, com uma nova composição, onde as instituições representantes do sector (Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, Biblioteca Nacional de Portugal, Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Fundação para a Ciência e Tecnologia e Associação Nacional de Municípios Portugueses) possam participar na definição de políticas.
- Sejam iniciadas discussões interministeriais, nomeadamente com o Ministério da Educação, Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior e Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, considerando as bibliotecas como equipamentos habitualmente designados como second responders, capazes de dar resposta aos múltiplos desafios da sociedade portuguesa, nomeadamente através do acesso à informação e ao conhecimento.
- Seja definida regulamentação legal para as bibliotecas (Portugal é um dos quatro países da União Europeia que não dispõem de instrumentos legislativos para o sector) que contemple, entre outros aspetos, orientação técnica especializada, serviços e (re)qualificação profissional e critérios rigorosos de admissão à profissão.
- Sejam definidas e clarificadas as exceções e limitações apropriadas à legislação de direito de autor, essenciais para o trabalho das bibliotecas, em particular no ambiente digital. A desadequação ou a inexistência de exceções para as bibliotecas coloca sérios constrangimentos ao cumprimento da sua missão de acesso à informação de forma legal, como foi evidente durante este período de confinamento.
- Seja criado um programa específico para a constituição ou valorização dos fundos locais nas bibliotecas.
- Seja feita uma aposta na rentabilização dos espaços, equipamentos e recursos das bibliotecas, evitando a duplicação de investimentos e projetos.
- As bibliotecas sejam efetivamente incluídas na Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030, Portugal INCoDe.2030, como entidades envolvidas na implementação das medidas previstas (assegurar a generalização do acesso às tecnologias digitais a toda a população).
- Seja disponibilizada uma plataforma nacional de livros e conteúdos digitais em língua portuguesa reforçando o papel das bibliotecas enquanto mediadoras da leitura, informação e conhecimento com um modelo de consórcio semelhante ao da B-On.
A crise inesperada que se abateu sobre o país e o mundo devido à COVID-19 terão consequências a longo prazo na vida dos cidadãos e os seus impactos não serão medidos apenas em termos de saúde. O desemprego, a pobreza e os impactos psicossociais têm custos humanos muito reais. As medidas de recuperação exigem uma rápida adaptação das competências dos cidadãos a uma nova realidade social, laboral, cultural e económica. As bibliotecas podem, e têm condições, para participar, como agentes ativos, nos pacotes de estímulo de investimento desenvolvidos pelo Governo no combate à crise, apoiando as populações.
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