Sendo, do ponto de vista de
formação académica, um alienígena neste meio, são sobretudo as preocupações do
autarca-cidadão que irão passar por esta breve texto.
Sendo demasiado fácil enveredar
pela acusação em relação ao que está, ou supomos estar mal, tentarei evitar
esse género de abordagem. Quero, por isso, felicitar sinceramente a equipa que
elaborou a PROPOSTA DE ESTRATÉGIA NACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E
BIODIVERSIDADE 2025. Mesmo que a minha área de formação não seja esta,
percebe-se claramente o esforço de compilação que foi feito, a aturada reflexão
a que este trabalho obrigou e a seriedade e consequência das propostas que são
apresentadas. Até aqui, tudo ou quase tudo bem.
Da leitura que fiz dos comentários e dos
contributos dos meus colegas do Conselho Nacional do Ambiente e do
Desenvolvimento Sustentável torna-se clara a concordância, em termos globais,
com a maior parte das propostas. Não são postas em causa opções de fundo ou a
pertinência dos caminhos a seguir.
Não farei também, faço questão em o
sublinhar, o papel de calimero autárquico.
Ou seja, os queixumes e lamentos, quantas vezes mais que justificados, não nos
ajudam na reflexão e no debate.
Há problemas e há limitações? Há. E
são algumas dessas questões, transversais à maioria dos municípios que gostaria
do poder aqui sublinhar.
Qual o tópico principal que me
ocorre quando se fala em conservação da natureza?
O fator humano. Não é possível a conservação
da Natureza sem gente. Os recentes acontecimentos de Pedrogrão Grande
levantaram um estendal de acusações e constatações do que já se sabia.
Concentremo-nos num dado crucial. Os municípios de Pedrogão Grande, Góis,
Pampilhosa da Serra, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos somam um total
de 22.000 habitantes. A freguesia da Estrela, onde está a Assembleia da
República, tem pouco mais de 4 km2 e um pouco mais de 20.000 habitantes. Não
cuidei de ver a estrutura etária dos municípios acima referidos, mas tenho a
certeza que o envelhecimento é uma das suas marcas mais evidentes. Conto uma
pequena história pessoal: a primeira vez que, em 1986, fui à freguesia de
Cardigos (na zona do pinhal) havia, num dos pequenos aglomerados da localidade,
cerca de 20 habitantes. Hoje, não há um só. Ou seja, de pouco nos serve
falarmos de grandes estratégias se partes cada vez mais significativas do nosso
território não têm gente.
O interior despovoa-se e envelhece. Faltam políticas
capazes de invertir a situação e faltam, a este nível, homens de Estado. O
último a ter uma noção precisa da importância do interior foi o Marquês de
Pombal. Morreu há 235 anos e usava, em temos políticos, métodos que eram, para
ser gentil, muito discutíveis.
Durante a II Guerra Mundial, quando o esforço militar
consumia todos os recursos das ilhas britânicas, foi sugerido ao
primeiro-ministro Winston Churchill que cortasse nas verbas da cultura. O homem
que conduziu a Inglaterra à vitória sobre a Alemanha recusou perentoriamente.
“Se cortamos na cultura, estamos a fazer esta guerra para quê?”. (fim de
citação)
É esse um dos tópicos do nosso combate quotidiano, nas
autarquias. E se nos referimos à cultura, não é à sua vertente literária e
artística, apenas. Mas à necessidade de termos uma perspetiva cultural do nossos
concelhos e do mundo à nossa volta.
É essa perspetiva cultural que nos leva a reabilitar as
nossas localidades. É por termos essa certeza que cedemos terrenos e colaboramos
no financiamento de escolas e no seu melhoramento. É esse enquadramento
cultural que nos leva a renovar redes de águas e fazer obras de saneamento. É
uma lógica ligada à cultura que nos levou a participar nos processos de
renovação urbana. Sem gente não há futuro e sem condições para aqui vivermos
não há gente. A equação é simples. Tão simples como simples e direta é a nossa
determinação.
Bem sei que me afasto do tema da ESTRATÉGIA
NACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E BIODIVERSIDADE 2025. Mas o
tópico essencial continua a ser o da presença humana nos nossos territórios – e
cada vez temos mais problemas num número crescente de territórios de baixa
densidade.
Há cerca de 30 anos,
o jornalista José Manuel Fernandes escreveu nas páginas do “Expresso” uma
notável série de reportagens intitulada “Em busca do país fantasma”. Nesse
percurso percorria-se toda a raia, de Sul para Norte, trilhavam-se caminhos
abandonados, pontes esquecidas, aldeias semi-desérticas e dava-se a conhecer um
país que morria às mãos da indiferença.
Nesse país fantasma
viveram e resistiram, durante centenas de anos, centenas de gerações. Artesãos,
professores, sapateiros, pastores, tecedeiras, perde-se o conto ao número e ao
nome dos que por nada trocariam os horizontes do seu território por qualquer
outro sítio do mundo. Nunca ninguém lhes perguntou quanto queriam por ficar nem
quanto valia o seu amor à terra que os vira nascer. Muitos partiram, por não
terem meios de sobrevivência.
Em 1999, talvez
alguns se recordem disso, o governo da nação quis incentivar trabalhadores da
função pública a fixarem-se nas zonas mais carenciadas. Para tanto, estava
prevista a atribuição de subsídios de valor variável, consoante a categoria do
funcionário. Os apóstolos da nova colonização prometiam ainda um conjunto de
outras benesses, algumas delas de legalidade duvidosa, para quem se quisesse
embrenhar nos territórios esquecidos do Alentejo profundo, da Cova da Beira ou
de Trás-os-Montes.
Significou isto que não se encontrou melhor forma de resolver a
desertificação do interior do que atirando umas missangas e engodando quadros, eventualmente
entediados, com promessas de subsídios de instalação e mais uns dinheiros para
ajudar a pagar a renda da casa. Foi a versão cor-de-rosa dos “40 acres e uma
mula”, a conquista do Oeste sem o tom épico de Hathaway e de John Ford.
Se bem se recordam também, o projeto não deu em nada. Rigorosamente em
nada. Quase 20 anos depois, o problema essencial continua a ser demográfico.
Perpassa, por todo o documento, a ideia de envolvimento dos municípios,
a sua participação ativa em atos de gestão. Perpassa, também, um moderado
otimismo quanto à participação ativa dos municípios no âmbito da conservação da
natureza. Confesso, aí, o meu ceticismo. O crescente estrangulamento
administrativo e financeiro das autarquias e, agora, as novas competências (que
virão trazer um inevitável acréscimo de despesa corrente) irão fazer das
autarquias centros redistribuidores. Ou delegações do Poder Central. A margem
de manobra vai ser cada vez mais curta. Somos exímios em criar documentos,
pacotes legislativos e enquadramentos. Criamos quadros de funcionamento
perfeitos. Queremos, no fundo, trabalhar como os noruegueses, mas contando com
os recursos financeiros dos malianos. E com leis à nossa maneira.
Cito, do
parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Deseonvolvimento
Sustentável referente à PROPOSTA DE ESTRATÉGIA NACIONAL PARA A
CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E BIODIVERSIDADE 2025, que globalmente subscrevo: “Em
conclusão, o CNADS considera que, na generalidade, a proposta de Estratégia
Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade é tecnicamente sólida
e, face aos conhecimentos atuais sobre o estado das espécies e dos habitats,
tem objetivos ambiciosos, corretamente explicitados e bem sistematizados,
carecendo contudo de definição de recursos financeiros objetivos que a permitam
levar a cabo. Esta a primeira recomendação: a identificação, sistematização e
calendarização concreta dos recursos financeiros para a sua implementação, em
função dos objetivos e prioridades expostos”.
Justamente. Não haverá política de conservação da
natureza sem meios financeiros. Nem sem gente que, no terreno, a suporte.
Regresso a esse tópico, que não pode ser desligado da atividade agrícola. A
qual, singularmente, aparece muito pouco nesta proposta de estratégia. É a
única reserva com que fico. Espero que possa ser retomado o tema, porque esses
mesmos agricultores são, em princípio, os primeiros interessados na conservação
da natureza.
Santiago Macias
Presidente da Câmara Municipal de Moura
24.7.2017
Texto lido em sessão na Assembleia da República em final de julho passado. Fotografia do amigo Jorge Campaniço.