domingo, 31 de dezembro de 2017

UM MOMENTO BURLESCO, NO FINAL DO ANO

Diz o embaixador Francisco Seixas da Costa, no seu blogue DUAS OU TRÊS COISAS, "no seio do PCTP-MRPP, como é público, vive-se hoje uma ditadura interna protagonizada por Arnaldo Matos, que tomou conta da máquina política e financeira, sem ter sido eleito, como ele próprio revelou no programa". Nada mais certo. Há ali uma expressão que, sem ironia, me intriga: máquina financeira. Ora bem, quantos militantes terá o PCTP-MRPP? Quanto pagam de quotizações? Ou, perguntando à bruta: como é possível que se pague, há décadas, este imenso carnaval que é o PCTP-MRPP?

O programa de ontem à noite, na TVI 24, não foi montado para ridicularizar Arnaldo Matos. Que quê! Raposa velha, utilizou o tempo de antena para o seu show burlesco. Um pouco penoso, mas que deu para umas boas gargalhadas. Ela sabia ao que ia e sabia o efeito que ia provocar. Um entertainer que não falhou uma deixa.

Volto à pergunta: como é possível que se pague, há décadas, este imenso carnaval que é o PCTP-MRPP? E para quê?


2017 - REVISÃO DA MATÉRIA DADA

O que marcou o ano? A vida na autarquia mourense. Uma quase reclusão dentro dos limites do concelho. Um ano intenso como poucos. Que balanço? Aqui vai, à razão de duas coisas por mês. Ou três.

E o ano foi-se.

Janeiro

Dia 11 - Uma notícia no Jornal de Negócios punha Moura no top 3 em termos de crescimento de exportações durante o mandato autárquico 2013/2017. O que reflete, claro, um trabalho de décadas da CDU à frente do Município. Uma Câmara existe para definir estratégias e não para distribuir fraldinhas.




Dia 27 - Estreia do meu filme "Moita Macedo, pintor e poeta na revolução" na Fundação Arpad Szenes. Nunca me passou pela cabeça que, um dia, o ingénuo documentário rodado em 1981 tivesse honras de estreia num sítio assim. A presença do realizador foi anunciada pelo apresentador. Começam as pessoas olhando em volta, tentando perceber quem era. Felizmente, sou um ilustre desconhecido e ninguém deu por mim.



Fevereiro

Dia 5 - Homenagem ao maestro José Coelho. Foi um dos momentos altos do meu ano sentimental. Homenageia-se o maestro e lança-se um CD com músicas dele. Houve de tudo um pouco. Abordagens mais tradicionais, claro. Fado e rock. Com um aspeto importante. Todas as gravações estiveram a cargo de artistas locais. Atrevidamente, e depois de vencida alguma resistência inicial de alguns familiares, incluímos uma peça interpretada por dois DJ: KX Connections.


Dia 18 - Encontro com os emigrantes do concelho, no arredores de Lausanne. Na intervenção que fiz, a quente e sem me preocupar com o politicamente correto, recordei o muito que devemos a todos os que partiram. Sublinhei o muito que perdemos com a partida de todos eles. Nunca lhes poderemos pagar o esforço que fizeram e fazem, nem lhes consigo explicar o quanto nos emocionaram por continuarem a recordar o nosso concelho.



Março

Dia 10 - Ação de promoção de Moura em Lisboa. Divulgação da realidade do concelho. Promoção da Feira do Peixe do Rio e do Pão. Ações de rua. Os artistas do concelho que expuseram a sua arte. Os fadistas do concelho. As nossas bandas filarmónicas. Os nossos grupos corais. As empresas que estiveram presentes. As outras que nos ajudaram a montar este evento. A apresentação de um livro. A música dos mais jovens. A caldeirada de peixe do rio. De tudo isto se fez a Câmara Aberta (a nona do mandato).



Dia 27 - Um novo contrato para a instalação de uma empresa no Centro de Acolhimento a Microempresas de Moura (CAMM) foi assinado.  Com esta instalação, os seis espaços de oficina que o CAMM disponibiliza passaram a estar ocupados.
Gerido e dinamizado pela Câmara Municipal de Moura e pela empresa municipal Lógica, o CAMM, infraestrutura de acolhimento e incubação de empresas, apoia a instalação de empresas sediadas no concelho.
Do ponto de vista político (e também pessoal), representou uma vitória e uma demonstração que o potencial pode ser concretizado.




Abril

Dia 7 - Dando espaço aos mais novos, durante a inauguração do novo parque infantil, no Jardim da Porta Nova. Mais uma promessa que se cumpre. Outros parques infantis tomarão forma. Uns serão reaqualificados, outros construídos de raíz. Aquilo que foi anunciado é para se cumprir. Fazer política é uma coisa tão simples quanto isso.


Dia 28 - Anúncio do recomeço da intervenção arqueológica em 2018. Onde trabalhar? Na área detrás do convento, no espaço que corresponde a dois antigos claustros (v. fotografia). Porquê nesse sítio? Porque é o menos suscetível de ter sofrido alterações no período pós-medieval. Ou seja, o urbanismo tardo-medieval, ou mesmo anterior a essa época, pode estar "aí".



Maio

Dia 3 - Termina a iniciativa "Um dia na Presidência". Durante onze sessões tive a companhia de 34 jovens. Não sei se serão 34 futuros autarcas, mas espero que isto tenha sido útil para eles. Para mim foi útil e estimulante. Perguntas provocadoras, dúvidas, ideias, propostas, de tudo um pouco ouvi. Um traço comum: de um primeiro encontro matinal muito formal se passou a um registo muito mais próximo no final do dia.

A parte (sempre) mais engraçada? "A gente não tinha ideia que se fazia tanta coisa". Pois...

Uma certeza: diverti-me imenso!


Dia 24 - É a minha aula preferida? É, de longe. Tal como gostei imenso do "Um dia na presidência", gosto de vir à Escola do Sete-e-Meio, em maio. Uma ideia que partiu do Prof. António Monge "pode vir falar aos miúdos de questões de património?". Claro! É assim há três ou quatro anos. Uma aula simples e virada aquele escalão etário. Absolutamente extenuante, para mim. Não tenho prática de lidar com miúdos, um público difícil e muito exigente. São divertidos e alegres, usando muitas vezes a cumplicidade do "o meu pai conhece-o", "a minha mãe é fulana de tal". Não sei o que retêm da aula, mas aquela hora é, para mim, da maior importância.



Junho

Dia 2 - Inauguração do CONTINENTE. Deixar o Maria Vitória ao abandono era a solução? Vão-se catar...


Dia 9 - Prémio Instituição à Câmara Municipal de Moura atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia. Entre 2014 e 2017 recebemos cinco distinções pelo trabalho na área do Património. É um ritmo para manter, espero.



Dia 11 - Termina o Festival do Peixe do Rio e do Pão. Dias de borga.



Julho

Dia 10 - Foi assinado, às 11 horas, o memorando de entendimento entre cinco entidades (Direção-Geral do Tesouro e Finanças, Direção-Geral do Património Cultural, Direção Regional de Cultura do Alentejo, Turismo de Portugal e Município de Moura) que permite avançar com um projeto de reabilitação para o Convento do Carmo. É o início de um caminho que espero ver concluído dentro de uns anos. Fizémos o que nos competia. Isso mesmo foi sublinhado pela Secretária de Estado do Turismo que referiu que a iniciativa tomada pela Câmara de Moura foi decisiva. Disse ainda, e esse ponto é importante para a autarquia, que fomos o primeiro município no País a ter um imóvel incluído no REVIVE. Até então só os edifícios do Poder Central integravam este programa. Foi uma coisa que gostei de ouvir.



Dia 20 - Dia da Memória. Entre muitas outras iniciativas, destaco a visita ao Pátio dos Rolins, com os novos moradores, e a inauguração da Casa dos Poços.




Agosto

Dia 4 - Água, no Alvito. As habitações do período islâmico e a hidráulica nesse período foi o tema que abordei. Um convite simpático do Prof. Jorge Gaspar, dando seguimento a uma colaboração recente, entre um Fórum 21 e o livro da Amareleja, que está quase quase.

Ia, aos poucos, entrando na minha "outra vida".



Dia 30 - Terminou uma saga com muitos anos. Foi assinada, em Braga, a escritura de um prédio deixado em testamento à Câmara Municipal de Moura por uma benemérita amarelejense já falecida. A receita proveniente da venda do edifício destinava-se a um lar na Amareleja. Destinava-se e destina-se. O edifício, situado na Rua Júlio Lima, em Braga, foi vendido, depois de se ultrapassar um calvário legal que tardou anos a resolver. Depois de resolvidos os últimos tramites administrativos, a receita foi entregue ao Centro Social da Amareleja. No epílogo, ainda houve umas cenas de má educação.



Setembro

Dia 8 - Última corrida na minha última feira como presidente. Sedimenta-se a amizade com os forcados de Moura. Um símbolo da nossa terra, um motivo de orgulho para todos nós. Uma ligação para o futuro.


Dia 17 - Lançamento do livro "Amareleja". Cerca de 130 pessoas estão presentes. Tinha dito a um amigo que entre 40  e 50 seria excelente. Uma surpresa muito agradável e que me emocionou. Os miúdos do Grupo Coral Infantil da EBI deram cor à apresentação. O vinho da Amareleja iluminou a noite. O livro fica como registo para a posteridade.



Dia 29 - 9 da manhã. Quatro anos depois das eleições de 2013 dá-se formalmente como terminada a obra da Ponte do Coronheiro. Placa e fotografia de família com os operários da STAP. Missão cumprida.




Outubro

Dia 8 - Assisti à missa em Safara. No final, o padre Mário Capa teve a simpatia de me chamar para a zona em frente ao altar, para explicar a intervenção que foi efetuada na igreja. As obras de reabilitação compreenderam trabalhos de reforço estrutural, uma importante reparação no telhado e a caiação de todo o monumento. O exterior da capela-mor vai ser objeto de estudo (os grafitos justificam-no sobejamente), avançando-se depois para a sua caiação. Mais de 200.000 euros foram investidos nesta intervenção.

Era perto do meio-dia quando descerrei uma pequena e discreta placa comemorativa, na sacristia da igreja. "Missão cumprida", não pude deixar de pensar, uma vez mais.



Dia 20 - No último dia de trabalho efetivo de mandato tive esta prenda da rapaziada do Gabinete de Informação. Das muitas imagens recolhidas ao longo de quatro anos escolheram esta sequência do outro lado da presidência. Um registo menos formal, em contraponto às horas de gabinete...

Ao mostrar isto a um amigo de longa data, comentou "não achas que vão dizer que andaste o tempo todo a divertir-te?". Respondi que a extensa lista de obras, de iniciativas, de projetos, de foros, de financiamentos, de encontros, de apoios etc. clarificam o que, de facto, se fez. Depois, porque tentei realmente tirar partido dos momentos de descontração. Depois, porque sempre desconfiei dos políticos, dos artistas, dos investigadores etc. que estão sempre em pose e com ar de compungido sofrimento. E depois, na verdade, porque me estou nas tintas para o que pensem ou deixem de pensar os bem pensantes...




Novembro

Dia 3 - Retomo a escrita. Recomeço projetos de investigação há muito semi-esquecidos. Reencontro o prazer de outras pequenas coisas. Há um ensaio sobre rituais funerários que ganha rapidamente forma e que sairá sob a forma de pequeno livro.



Dia 20 - Arranca a obra de reabilitação da Torre do Relógio, em Amareleja. É daquelas notícias que me deixa verdadeiramente feliz. Foi uma intervenção pela qual muito se batalhou. O projeto foi terminado, a obra tem um financiamento comunitário de 85% e o caminho é em frente.

Oxalá as coisas corram bem, em termos de execução. Tenho pressa em ir à inauguração.



Dezembro

Dia 9 - Passagem festiva pela Feira do Vinho, em Amareleja. Pensava eu seria ignorado, no meu papel de has been. Qual quê! Foi pior/melhor do que quando tinha funções políticas...


Dia 12 - Reunião da Comissão de Avaliação do Prémio Vasco Vilava. Um trabalho diferente, em excelente companhia. A tarefa é transitória, mas vale bem a pena este compromisso. A recuperação e a valorização do Património como tópico principal. Nada que esteja longe dos horizontes próximos de trabalho. Nada que não repute de essencial na perspetiva do desenvolvimento social e cultural. Em definitivo, de volta à minha vida profissional. Para mais, numa função especialmente  estimulante.

sábado, 30 de dezembro de 2017

DRONANDO A IDADE MÉDIA

O registo do telemóvel diz que eram 11:59:04. O drone tinha levantado voo. Primeiro teste de utilização da tecnologia dos nossos dias para ajudar à leitura do urbanismo medieval. O Daniel Capa "brinca com aquilo"...

Moura foi o nosso sítio de teste. O meu crónico ceticismo foi derrotado. E se funcionou lindamente para este, o mesmo acontecerá nos outros.

O que vai acontecer de seguida? Um projeto de "revisão" de um conjunto de sítios medievais. Revisionismo no bom sentido. Se isto correr bem, e houver meios, haverá livro, fotografias, exposição itinerante e vídeo. Dronando o passado para melhor compreender o presente dos nossos sítios. E a importância dos marcos à volta dos quais os sítios crescem.

PETER BROWN E A ANTIGUIDADE TARDIA

Regresso a leituras fundamentais. Releitura, 15 anos passados, de Genèse de l'Antiquité tardive. Obra de um erudito irlandês, Peter Brown (n. 1935), contrapõe à visão tradicional da catástrofe a imagem de um período estimulante e no qual a palavra decadência não faz sentido. Sempre tive que livros como este ou Orientalismo, de Edward Saïd, são muito importantes para estudantes de Arqueologia de História da Arte.

A visão, claramente não-marxista, de Peter Brown da relação entre Sociedade e Religião é estimulante. A tónica de que nem todos os conflitos da sociedade norte-africana têm por base questões económicas e que as querelas religiosas não são, necessariamente, reflexo de tensões sociais são temas atuais. O Médio Oriente é um manancial.



sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

STARDUST MEMORIES Nº 17: A FESTA DE 2016

O ano aproxima-se do fim. À medida que avança a redação do livro sobre a experiência autárquica (18 crónicas redigidas / faltam 132), tornam-se mais vivas memórias e momentos. Na sequência de uma conversa tida na passada terça-feira com dois amigos mourenses, Carlos Ganchinho e Pedro Capa, recordei com especial prazer a Festa de Nossa Senhora do Carmo de 2016. Sempre achei que não tinha feito nada de especial e que a Câmara é que deveria estar grata por tanta disponibilidade e tanto empenho. E que vestirem-me a camisola da Comissão e fazerem questão nesta fotografia foi, para mim, uma distinção rara e que me encheu de orgulho. O Carlos e o Pedro explicaram-me o porquê da atitude. Continuo na minha. Acho que não fiz nada de especial. Eles acham o contrário.

Aqui fica a memória dessa noite de 18.7.2016. Com um abraço para a Comissão de Festas de 2016.

BOMBEIROS DE MOURA - NÚMEROS NA MESA

Não quero terminar o ano sem deixar claros estes números, referentes ao apoio da Câmara Municipal de Moura aos Bombeiros entre 2013 e 30 de setembro de 2017:

2013 - 135.084,72 €
2014 - 101.739,88 €
2015 - 125.976,45 €
2016 - 195.022,01 €
2017 - 106.836,70 € (até 30.9.2017)

A aquisição de equipamento para a Proteção Civil pela Câmara Municipal através de um empréstimo foi chumbada pelo Tribunal de Contas, não por ser para os Bombeiros, mas por não se enquadrar no conceito de investimento preconizado na lei (proc. 742/2016 do TC).  O valor dos equipamentos foi retirado do empréstimo através da deliberação 021616. Que foi votada por unanimidade (o que incluiu o voto do ver. António Gomes, atual vice-presidente dos BVM).

De forma a preparar o futuro foram reforçadas, na 1ª revisão ao orçamento que propus à Câmara Municipal no passado mês de abril (aquando da incorporação do saldo de gerência), as verbas destinadas aos Bombeiros. O que incluiu duas novas rubricas: candidatura ao POSEUR e uma nova transferência, pensada já antevendo futuras necessidades.

Vir alguém depois dizer que situações ocorridas em novembro (que estavam mais que previstas e orçamentadas) foram resolvidas pela boa vontade da Câmara Municipal é, e partindo do princípio que não há má-fé, completo desconhecimento quanto ao modo de funcionamento de uma autarquia.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

ESTRELA DA MANHÃ


A Estrela da Manhã

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã.


Porquê o poema? Por causa da escultura. Que se chama Morning star. "Encontrei-a" no meio da arqueologia doméstica, que está a ser um manancial de informação. Ou melhor, encontrei a fotografia (o original é bem melhor que esta reprodução telemovelística, juro), feita no Rhode Island School of Design Museum, na primavera de 2004.

Escultura de Thomas Crawford (1814-1857), datada de 1856. Poema de Manuel Bandeira.

LAÇOS DE TERNURA

Deixei as funções autárquicas há exatamente 67 dias. Tenho mantido, desde então, uma posição distanciada e discreta em relação à política local. Por opção. Por me parecer ser essa a atitude mais adequada. Mantenho-me, contudo, atento e interessado, como mourense que sou. Continuarei, seguramente, o projeto de investigação em torno da arqueologia no Castelo de Moura. Acompanharei também as iniciativas que decorrem na minha terra. Em muitas delas (Bairro do Carmo, Torre do Relógio) tive intervenção direta. Será um prazer vê~las concluídas.

Curiosamente, continua uma verdadeira fixação de alguns responsáveis autárquicos quanto à minha pessoa. A despeito de estar posto em meu sossego, continuo, obsessivamente e a despropósito, a ver o meu nome citado por tudo e por nada. Em reuniões de câmara e nas sessões da assembleia municipal. Nada que me incomode. Ontem, no final da sessão da assembleia, um desses responsáveis saudou a mudança havida desde outubro e o ter deixado de ali haver um ambiente irrespirável.

Só posso fazer um comentário:

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

ANDAVAM FAUNOS PELAS SERRAS...

Mais arrumações e mais apontamentos para o lixo. Há trabalhos que não retomarei. Há outros de que, por variadas razões, não começaram.

No meio de montanhas de papéis dou com um excerto de um diário de escavações de Abel Viana, referente ao Castro da Cola. Pensei, em tempos, fazer um trabalho sobre o percurso do conhecido investigador naquele sítio.

Os diários de Viana são pitorescos, por misturarem arqueologia, etnografia, listas de mercearia e reflexões pessoais sobre as mais diversas matérias.

Das notas de 8.9.1960:
"A romaria vai decaindo (...). O indecoroso e paganíssimo "baile" já este ano não se fez. Este tradicional encontro dos faunos com as ninfas destes andurriais serrenhos já este ano se não realizou (...)"

Noutro local, refere Abel Viana a existência de uma rocha onde, em determinada noite do ano, as mulheres iam escorregar para ganharem fertilidade...


Tintoretto (1519-1594) - Hércules expulsando um fauno da cama de Ônfale (Museu de Belas-Artes, em Budapeste)

ELEMENTOS - ÁGUA 5

Voltamos ao tema dos elementos. Quase com o ano a terminar eis, de novo, a água. A água feita dança por Robert Schulz. É a maneira de se celebrar o ano que agora se aproxima do fim.

O balanço pessoal deste 2017 virá no último dia do ano. Tem mesmo de ser, até porque, do ponto de vista de carreira profissional, houve um decisivo virar de página.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

29.11.2017 - 12:46:56

Não Estou Pensando em Nada


Não estou pensando em nada 
E essa coisa central, que é coisa nenhuma, 
É-me agradável como o ar da noite, 
Fresco em contraste com o verão quente do dia, 

Não estou pensando em nada, e que bom! 

Pensar em nada 
É ter a alma própria e inteira. 
Pensar em nada 
É viver intimamente 
O fluxo e o refluxo da vida... 
Não estou pensando em nada. 
E como se me tivesse encostado mal. 
Uma dor nas costas, ou num lado das costas, 
Há um amargo de boca na minha alma: 
É que, no fim de contas, 
Não estou pensando em nada, 
Mas realmente em nada, 
Em nada... 

Álvaro de Campos - "Poemas" 


O pensamento, a caminho da Biblioteca Nacional, ia para a conversa que acabara de ter e que pode ter decidido o futuro profissional, e para o corredor do metropolitano, que me pareceu misterioso em pleno dia.

domingo, 24 de dezembro de 2017

BOM, OK, HOJE É ISTO

Un pasito pa'lante...dos pasitos p'atras.

O estilo não é assim muito másculo, mas ok, não podemos ligar a essas coisas. Gosto da coreografia e da vozinha esganiçada.

Bom Natal!

sábado, 23 de dezembro de 2017

A PONTE DA TOUTALGA NO DIA 3 DE ABRIL DE 1972

O desenho deixa clara a razão pela não poderia ter ido para Pintura ou para Arquitetura... Representa a Segunda-Feira de Páscoa de 1972. O realismo impera. Há dois carros, um VW amarelo, que ainda existe (FF-46-55) e um Austin 1300, que já não (EB-85-19). Os retratados são reais, mas só com legenda é que lá vamos. O pequenito é o meu primo Pedro Estevas, então com menos de dois anos. O "guarda-redes" é o autor do blogue. Havia muito vinho, aparentemente.

Quatro dos retratados já partiram há muito. A ponte da Toutalga já não é assim. As árvores foram cortadas. E esse 3.4.1972 foi a nossa última Segunda-Feira de Páscoa naquele local.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

QUATRO DE UMA VEZ (post confessional)

O regresso à vida civil teve destas coisas: mergulhei no caos do gabinete e dediquei-me, caótica e furiosamente, à escrita. Primeiro passo, um livro sobre a Mouraria de Moura. O primeiro rascunho está terminado. O segundo irá incorporar dados sobre o estatuto sócio-económico da minoria muçulmana na Baixa Idade Média. Sairá sempre, num ou noutro formato, de um ou de outro modo. Segundo, um ensaio, a publicar em língua inglesa, sobre os maqabir. Hard stuff, como diz uma amiga minha que está na Holanda. Se é. A aridez do assunto tem sido compensada pela necessidade de dar uma perspetiva antropológica à escrita. Terceiro, um estudo sobre urbanismo do século XVI. É uma quase-ucronia, no sentido filosófico do termo. Mete fotografia, leitura de sítios e drones... Como os trabalhos avançam todos num ritmo descontínuo, decidi lançar-me num quarto tema: o da releitura, sob a forma de crónicas, destes 12 anos de vida autárquica. Serão cerca de 150 textos. À razão de dois por dia. Os primeiros quatro já lá vão. Término do trabalho? Final de março de 2018. Edição de autor, 100 exemplares, por aí.

Nota pessoal: em recargas de tinta permanente, isto está a ser uma ruína...

DAR O PEITO ÀS BALAS

Na página de José Correia Guedes, ex-comandante na TAP:

(...)
A aterragem foi relativamente suave mas a travagem parecia saída de um filme de porta aviões; em poucos metros o avião imobilizou-se com grande alarido e só aí percebi o que tinha acontecido.
Os passageiros reclamaram, cheios de razão, e pouco depois entrou a bordo o nosso saudoso Bruno, mecânico da escala do Funchal, com as piores notícias: "Comandante: tem dois pneus rebentados, um em cada trem principal. O voo de regresso vai atrasar."
Claro que a minha primeira reação iria direitinha para o copiloto "Já viste a merda que fizeste?" mas em vez disso decidi que o culpado deveria ser apenas eu e mais ninguém. Porque era o comandante (o comandante é SEMPRE responsável por tudo o que acontece no cockpit) e porque falhei numa das regras essenciais que ditam um bom CRM (Cockpit Resources Management) que é o X-monitoring, ou seja, a obrigação de os pilotos se monitorarem entre si.
A vergonha começou logo no Funchal ("Oh Comandante, então que foi isto?") mas continuou no dia seguinte quando fui chamado ao chefe de frota A320 para contar como tudo aconteceu. Em toda a minha carreira foi a única vez que me foram pedidas explicações a propósito de uma operação duvidosa mas devo dizer que para embaraço chegou.
O copiloto? Também foi chamado à chefia mas nada lhe aconteceu porque desde o princípio assumi todas as responsabilidades. Qualquer comandante digno desse nome faria exatamente a mesma coisa.

História completa aqui: https://www.facebook.com/cptguedes/posts/400015010432539


Vem isto a propósito do facto de, no âmbito das minhas responsabilidades políticas ter assumido o princípio de dar o peito às balas. Um facto muito criticado por alguns amigos "és parvo, então o que andam lá a fazer os assessores, os chefes e os técnicos?". Nunca entendi essa perspetiva e sempre tive como princípio chamar a mim a responsabilidade do que correra menos bem. E, sempre, a prática de não atirar para cima dos trabalhadores o que quer que fosse. Muitas vezes o disse na Assembleia Municipal: "o responsável é o Presidente da Câmara". Poderá haver outras perspetivas. Seguramente que sim. Em especial, numa Câmara Municipal quem tem de dar a cara é o alcaide...

Faço minhas as palavras de José Correia Guedes: "O copiloto? Também foi chamado à chefia mas nada lhe aconteceu porque desde o princípio assumi todas as responsabilidades. Qualquer comandante digno desse nome faria exatamente a mesma coisa". É isto, sem tirar nem por.

O NOME DAS COISAS

É um dos nossos mais antigos e indecifráveis tiques. Adoramos mudar o nome às coisas e dar-lhes designações complexas. O Instituto Nacional de Educação Física (bonito nome) passou para Instituto Superior de Educação Física (o "superior" nobilitava) e depois para Faculdade de Motricidade Humana. Quase todas as escolas superiores passaram a ser faculdades. Salvam-se, felizmente, Agronomia e o Técnico.

As entidades reguladoras passaram a ser autoridades, num daqueles copianços em que somos useiros e vezeiros. Quando olho essa quase voracidade de mudança de nomes, recordo-me sempre do tradicionalismo (abençoado tradicionalismo) francês. A mais antiga escola de engenharia do mundo é a "escola de pontes e pavimentos". A forma de quadros faz-se na "escola nacional de administração", a grande prepação de dirigentes de topo no prosaico "instituto politécnico". As designações contam? Na verdade e no essencial, não contam nada. Maquilham, mas não contam.

ISTO E MUITO MAIS

São 21.35. A automotora, ronceira e rasca, devia ter chegado às 21.15. Vem com atraso. O átrio da estação está mal iluminado. Não há nenhum aviso. As bilheteiras estão fechadas e não há nenhum funcionário da CP à vista. O largo em frente à estação é um sítio deprimente, com pouca luz, desorganizado e desagradável. Já vi coisas assim parecidas no Terceiro Mundo. Bem vistas as coisas, o nosso distrito É o Terceiro Mundo.

Da automotora sai o povo. O clero, a nobreza e os paladinos de nobres causas nunca os vejo na automotora.

Beja merece mais? Beja e todos nós. Merecemos isto e muito mais. Porque os poderes públicos não andam da automotora e, no fundo, tanto se lhes dá como se lhes deu...

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

SOLSTÍCIO COM COR

O Alentejo é branco? E azul e amarelo, em requebros tropicais. Fotografias feitas há semanas, no Espírito Santo, em Mértola, durante a preparação de um projeto para a Câmara Municipal. A visão do futuro dos sítios quase iluminada pelo seu passado. Causa sempre um pouco de angústia que o Património seja quase só memória.

A moagem estava silenciosa, feita cor pela luz forte da manhã. A maquinaria há muito que se calou. Os guardiões do sítio mantêm uma esperança quase juvenil no futuro. Fiz algumas fotografias para documentar o projeto. Emily Dickinson veio em meu auxílio.



A light exists in spring
Not present on the year
At any other period.
When March is scarcely here
A color stands abroad
On solitary hills
That science cannot overtake,
But human nature feels.
It waits upon the lawn;
It shows the furthest tree
Upon the furthest slope we know;
It almost speaks to me.
Then, as horizons step,
Or noons report away,
Without the formula of sound,
It passes, and we stay: 
A quality of loss
Affecting our content,
As trade had suddenly encroached

Upon a sacrament.

domingo, 17 de dezembro de 2017

ELEMENTOS - ÁGUA 4

Curiosidade dominical, e dando seguimento à relação entre elementos e Arte: o uso da água enquanto elemento musical. Na distante ilha de Vanuatu, a 17.760 kms. do local onde me encontro, as mulheres fazem música assim:

OS RÉGULOS DA LEITURA PÚBLICA

Torna-se hábito, cada vez mais, o Poder Central dar ordens às autarquias. Manda fazer. Uns pensam, outros executam. Um complexo de superioridade que tenho, ao longo da carreira, acompanhado e presenciado por diversas vezes.

Vem isto a propósito do Concurso Nacional de Leitura 2018, cujo regulamento atribui às Bibliotecas Municipais tarefas específicas. Até aqui, nada de especial. Caso as autarquias tivessem sido envolvidas no processo e dado o seu acordo. Tal não aconteceu. As entidades organizadoras (onde não está a Associação Nacional de Municípios Portugueses) atribuem às bibliotecas municipais, subalternizando-as, tarefas organizativas bastante alargadas. Que pena que isto não tenha sido em 2017...

sábado, 16 de dezembro de 2017

CORPORAÇÕES DO SÉCULO XXI - RUA DOS TELEMOVELEIROS

RUA DOS TELEMOVELEIROS

Aprendíamos na escola que os ofícios se organizavam por zonas, dentro das cidades e mesmo em vilas de menores dimensões. Em Moura, ainda temos na toponímia local a Rua dos Ourives, tal como tivemos em tempos a Rua da Verga ou a Ruas das Tendas. Em Lisboa, a Baixa Pombalina conserva uma memória viva, mas só já mesmo sob a forma de memória, das corporações de outrora: Douradores, Sapateiros, Fanqueiros, Correeiros… Os negócios desapareceram, ficaram as placas toponímicas.

Vem isto a propósito de uma recente passagem por um Centro Comercial nos subúrbios de Lisboa. O sítio chama-se Babilónia e o nome é mais que apropriado. O desenho do espaço é caótico e as pessoas perdem-se lá dentro. Sempre que lá passo sou interpelado por senhoras, sempre na casa dos 60, que me perguntam, “olhe lá, jovem, a saída é para que lado?”. O tratamento por “jovem” angustia-me por constatar que a miopia galopa com a idade. E a desorientação confirma uma velha tese de género: as senhoras conseguem cozinhar quatro pratos em simultâneo, mas têm genéticas dificuldades de orientação espacial.

Indo adiante, e Babilónia dentro, constatei, nessa última visita, que o interior do sítio muda a uma velocidade que desorienta, ainda mais, qualquer um. Já quase não há lojas de roupa. Essas migraram para outros sítios. Ou faliram. Há um ou dois cafés. Um sítio onde vendem jornais. A clientela é maioritariamente de origem africana. Que se vende no Babilónia? Telemóveis. Há lojas de venda de aparelhos, de capas para aparelhos, de carregadores para aparelhos, de cartões para aparelhos. Fazem-se carregamentos e pagamentos. Ensinam-se esquemas e truques. Há uma nova corporação a ser formada. Os comerciantes não são portugueses brancos nem portugueses negros. São emigrantes asiáticos, do Paquistão, da Índia, do Bangladesh. Falam um português hesitante e de pouquíssimas palavras. Mas conhecem como ninguém a linguagem dos números, o valor das coisas, a cotação das peças. O que lhes falta num verbo, dizem de outra forma, rapidamente, suavemente, e colocando o cliente onde querem. Deixando o cliente satisfeito, que é a melhor forma de consumar negócios. Tudo isto com sorrisos largos e gestos amigáveis e generosos. Dali, toda a gente sai contente. Eles, solidariamente, vigiam-se e protegem-se. São, nesta nova babilónia de negócios, a nova corporação medieval do século XXI. São os telemoveleiros.

Crónica publicada em "A Planície".