sexta-feira, 30 de abril de 2021

PALÁCIO SINEL DE CORDES

Lisboa é uma cidade cheia de palácios secretos, longe dos olhares do mundo. Foi uma imagem que fui formando ao longo dos anos, sem ter a certeza se assim é, ou se sou eu que assim quero que seja.

Neste arrabalde oriental de Lisboa, há alguns desses palácios, aqui mesmo ao lado. Ontem, passei pelo Sinel de Cordes, que da família já há muito só tem o nome. Um dos seus membros foi o antecessor de Oliveira Salazar na pasta das Finanças, diga-se de passagem.

Foi uma visita solitária, numa exposição um pouco desigual. E que tiram imenso partido daquele ar délabré do palácio. Para a semana reincido.










Estar só é estar no íntimo do mundo

Por vezes cada objecto se ilumina 
do que no passar é pausa íntima 
entre sons minuciosos que inclinam 
a atenção para uma cavidade mínima 
E estar assim tão breve e tão profundo 
como no silêncio de uma planta 
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice 
ou na alvura de um sono que nos dá 
a cintilante substância do sítio 
O mundo inteiro assim cabe num limbo 
e é como um eco límpido e uma folha de sombra 
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes 
E é astro imediato de um lúcido sono 
fluvial e um núbil eclipse 
em que estar só é estar no íntimo do mundo 

António Ramos Rosa - "Poemas Inéditos" 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

THULAMAT

الظلمات



O título do projeto deverá vir a ser este. A escuridão, como no final do conto "A viagem" de Sophia de Mello Breyner Andresen. A luz que desaparece, num permanente crepúsculo. Será em Mértola, claro. Com palavras escritas e ditas, sítios e a escuridão que avança.

Já me fazia falta inventar qualquer coisinha... Agora, que as nuvens parecem dissipar-se, está na altura de voltar à escrita. E de experimentar novos caminhos.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

MOMENTO "YELLOW SUBMARINE" NA BIBLIOTECA NACIONAL

De luva azul, já que não tenho sangue azul 😊, na Biblioteca Nacional.

Mas sem intuitos destruidores. E sob o signo de Frost.

Fragmentary Blue

Why make so much of fragmentary blue
In here and there a bird, or butterfly,
Or flower, or wearing-stone, or open eye,
When heaven presents in sheets the solid hue?
 
Since earth is earth, perhaps, not heaven (as yet)—
Though some savants make earth include the sky;
And blue so far above us comes so high,
It only gives our wish for blue a whet.





terça-feira, 27 de abril de 2021

PROCESSO DE LICENCIAMENTO

A expressão "processo de licenciamento" é familiar a quem anda/andou pelas autarquias. Os licenciamentos levantam (quase) sempre problemas. Porque se aprova, porque não se aprova, porque o enquadramento, porque o plano de salvaguarda, porque os arquitetos fazem o que querem...

E depois, como diz uma amiga minha de longa data, "há coisas sem explicação". Como este edifício. Que não deve ser um clandestino. E que existe mesmo. Quando andei no meu périplo fotográfico no último verão, passei ao lado "disto" e pensei: "caramba, estou mesmo cansado". Afinal, não...

Fica no distrito de Santarém.



segunda-feira, 26 de abril de 2021

MÉRTOLA, UMA REALIDADE. E O SENHOR FERNANDO TAMBÉM!

Depois de alguma hesitação - o Miguel Rego sabe bem porquê - decidi-me a publicar este texto que ele escreveu, de homenagem a Fernando Rosa, que foi presidente da Câmara de Mértola entre 1982 e 1993. Onze anos, caramba. Uma entrega total, e que hoje não me parece assim tão reconhecida. Tive o prazer de trabalhar com o Sr. Fernando (era assim que a gente o tratava), nos meus tempos de início em Mértola. E o texto do Miguel é um bonito reconhecimento. E uma viagem aos tempos de Arcádia.



Quando, em Setembro de 1981, me iniciei na arqueologia com o Professor Cláudio Torres, não imaginava que seria o início de um percurso que me traria para o Alentejo. Então, os fornos de cerâmica de formas de açúcar, de pesos de pesca e de formas do biscoito para as “descobertas” resgatadas das escavações da Mata da Machada, ali pertinho de Vale de Zebro, no concelho do Barreiro, foram o primeiro contexto arqueológico que contactei numa escavação onde conheci aquele investigador chegado do exílio meia dúzia de anos antes a Portugal e que era então Professor da Faculdade de Letras de Lisboa.

Apesar de eu não ser aluno de Cláudio Torres, nem sequer aluno da Universidade (ou aluno de escola alguma, diga-se), e apesar da minha vida então se dividir entre servente da construção civil e aprendiz ocasional de “técnico de restauro” no Palácio da Rosa, em Lisboa, a experiência dessas quase três semanas resultaria numa enorme amizade que nos faria reencontrar de novo em escavações, comigo enquanto voluntário em Noudar, em Mértola e de novo na Mata da Machada, até que, a seu convite, rumei a Sul, de forma definitiva, em 1986.


Pelo meio, entre um curso de Arqueologia no Centro de Arqueologia de Almada e a ida até à Gruta do Caldeirão, em Tomar, para escavar com João Zilhão, tive experiências ricas com outros arqueólogos, nomeadamente, com João Luís Cardoso, na Outurela I e II. Mas tive, sobretudo, um contacto aprofundado com o trabalho de Cláudio Torres, em Mértola.


Faço esta introdução do meu percurso de carácter muito pessoal, para justificar toda a restante crónica que aqui trago. Até porque num momento em que muito se fala em Património Cultural, gestão e desenvolvimento, vale a pena deixar aqui duas ideias que me parecem importantes para “entender” a abordagem a esses conceitos, tendo como referência a génese do projecto de Mértola e procurando esclarecer alguma falácia de determinados discursos “fabricados”, desprovidos de contextualização histórica e vestindo uma espécie de saiote anacrónico onde os olhares vestem os discursos de hoje e não as realidades de ontem.


Até porque o que fui encontrar em Mértola foi para mim uma escola que se reproduzia num trabalho desenvolvido em diálogo permanente com a autarquia sem haver o mínimo de intrometimento da estrutura de poder do Município na vida do projecto arqueológico;


Até porque vivíamos o que restava de um período de festa cívica, cultural e política, que o 25 de Abril nos trouxe, onde o descomprometimento com a projecção pessoal era total e o mais importante era o contacto sempre constante entre os fazedores de memória e o repositório dessa memória, em que cada um de nós desempenhava um e outro papel;


Até porque o início do financiamento de projectos de natureza científica permitiam conciliar esse trabalho com uma sempre permanente “agitprop”, expressão utilizada por um certo meio científico a quem o trabalho que se realizava em Mértola causava suores frios e invocava horrores em noites mal dormidas;


Até porque a preocupação permanente de quem estava no projecto era poder, através do Património Cultural, mudar, transformar, reinventar uma nova realidade cultural e social de forma natural, sem quaisquer imposições ideológicas ou de cartilha pré-concebida;


Até porque aquele projecto era a arqueologia e a “longa duração” antropológica, social, geográfica, histórica, humana, em toda a sua dimensão, e não uma outra coisa qualquer;


Até porque aquele projecto estava a ser pensado como quem tem que resolver o dia-a-dia da sua própria sobrevivência na incerteza de ter ou não ter ordenados a horas, de regalias sociais, de férias e fins-de-semana alargados;


Até porque o colocar aquele projecto no terreno era muito mais do que fazer uma simples escavação para dar uma resposta científica (sim, a Arqueologia é uma Ciência) à “abominável” e sempre incómoda presença islâmica em Portugal.


Mértola é um modelo de gestão, com várias nuances, que não é repetível à luz dos dias de hoje. O acaso da passagem por Mértola de alguns actores que, ao lado de Cláudio Torres, em determinados momentos, foram cruciais para que o projecto do Campo Arqueológico desse o salto que o Mestre queria que desse nos anos oitenta, marcou em momentos cirúrgicos todo o seu evoluir. Os nomes de Luís Silva e, sobretudo, de Santiago Macias, são incontornáveis, mas não menos alguns outros silenciosos como o de Manuel Passinhas, o Chola ou o Joaquim Boiça e a Mifas, sem esquecer a estrutura da Associação de Defesa do Património onde a Arqueologia esteve alocada até 1987, cada um com o seu espaço naturalmente definido, fizeram com que este projecto fosse, sobretudo entre 1987 e finais dos anos 90 (a partir daí não conheço o suficiente para falar dele), a génese de um trabalho singular. Um trabalho em que se criou uma rede de museus local de dimensão e dignidade. Em que o nome de Cláudio Torres se impõe nacional e internacionalmente, e de que o Prémio Pessoa é bem o reflexo disso…


Mas, num contexto em que os financiamentos vindos da Europa foram indispensáveis para que o projecto tivesse o êxito que “teve” e que o reconhecimento internacional de Cláudio Torres fosse, não apenas pelo seu papel em colocar a investigação da ocupação islâmica em Portugal na ordem do dia, mas também no desenvolver de um projecto que alterou estruturalmente a perspectiva e estratégia económica para o concelho, é importante não deixar de valorizar um nome que, sistematicamente, teve um papel preponderante em todo este processo. Um nome esquecido, apagado, escamoteado deste momento que aqui trazemos (1987, ano da “fundação” oficial do Campo Arqueológico e os anos 90) que marcará, indubitavelmente, o projecto de Mértola: Fernando Ribeiro Rosa, presidente da Câmara Municipal de Mértola entre 1982 e 1993. O Senhor Fernando.


Este ponderado e responsável autarca foi capaz de perceber que a autonomia do projecto de Mértola e o apoio infra-estrutural ao labor de Cláudio Torres eram fundamentais para que este vingasse; Que a adaptação de alguns projectos de natureza urbana ao desenvolvimento do projecto arqueológico, como por exemplo de toda a intervenção efectuada no Rossio do Carmo, eram estruturantes tanto para a vila “museu” como para a continuidade do projecto de Mértola; Que a sua atitude cívica de entender quais são as fronteiras entre os territórios de um “poder” autárquico e um projecto científico e cultural lhe traria menos visibilidade, mas não menos eficácia; Que a assunção de uma atitude de cooperação e não de intromissão eram obrigatórias; Que o saber que o desenvolvimento sério e real não se faz com a colocação de placas evocativas, mas com a disponibilização de meios para que este se possa concretizar, faz de Fernando Ribeiro Rosa um protagonista silencioso, mas imprescindível, para que o projecto de Mértola pudesse, na época, impor-se.


Hoje, por aquilo que vamos vendo, dificilmente aquele projecto teria ganho tão amplas asas. Mais do que asas, ser corpo renascido, canção! Ali ou em qualquer outro sítio!

150 a dividir por 46

A notícia tinha sido pré-anunciada numa reunião, há semanas. Tomou, na quinta-feira, contornos um pouco, mas não muito, mais claros. Haverá intervenções em 46 museus, palácios e monumentos. O valor global será de 150 milhões de euros. Não há dados que sejam do nosso conhecimento sobre as intervenções concretas, nem sobre os seus montantes.
Ao fim de 25 dias no Panteão Nacional tenho já uma ideia razoavelmente definida do que é necessário fazer. Sei também que o monumento não passa pela situação dramática que se vive noutros sítios. Mas há intervenções que são necessárias, sob pena de entrarmos num impasse ou num bloqueio.
Até 31 de maio terei de entregar um plano para 2021/2024. É o que farei, depois de ponderados todos os fatores e depois de conhecer em detalhe o "150 a dividir por 46".







domingo, 25 de abril de 2021

FINAL DE SÉRIE

Fechou, há momentos, a exposição "Guerreiros e Mártires", no Museu Nacional de Arte Antiga.

Um processo começado, com outros contornos, no dia 1 de junho de 2018; o projeto primitivo naufragou, poucos meses depois. Em novembro desse ano, retomei-o, em novos moldes, com o Joaquim Caetano. Levámos todo o bendito ano de 2019 recolhendo materiais e numa permanente angústia. Estava para ser em início de 2020, depois deslizou e voltou a deslizar. Dois anos depois do arranque, em 19.11.2020, teve lugar a inauguração. A pandemia "criou" um programa de visitas aos soluços.

A exposição devia ter fechado no final de fevereiro. Foi prolongada por dois meses.

Por razões às quais não adianta voltar, várias peças que tenhamos pensado "falharam". Como esta, do Palácio Nacional de Mafra.

Final de série dizia-se, em tempos, nos bailes.

O programa segue dentro de momentos. Dois projetos para terminar em 2021 (sem a dimensão deste), um talvez para 2024 (com a dimensão deste).



SÓ UM MUSEU NÃO CHEGA??

Quando, no outro dia, referi a um amigo, pouco dado a estas coisas do 25, que estava em curso a instalação de um museu em Peniche, exclamou "outro?? não chega o Aljube??". Não, não chega o Aljube. O Aljube foi uma realidade, Peniche foi outra. O que há, por parte de alguns, dificuldade em perceber é o que esta data quer dizer. De alguns ou de muitos. Os que um dia quererão fazer da data qualquer outra coisa - a colagem de Cotrim de Figueiredo é um primeiro gesto -, os que tentarão apagar o Partido Comunista Português da história da história da resistência - também isso fará, um dia, o seu caminho... -, os que quererão fazer da Liberdade qualquer outra coisa.

Não, um só museu não chega. Também não queremos a Liberdade e o Antifascismo dentro de um museu. É preciso muito mais que isso.

Como escreveu António Borges Coelho:

“Nomeai um a um todos os nomes.
Lutaram e resistiram.
A liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta fortaleza.”




sábado, 24 de abril de 2021

STARDUST MEMORIES Nº. 51: SINTRA ATLÂNTICO

Primeiro dia de saída (sempre só a dois, sempre de máscara, sempre longe de "interações", mas é o que pode ser...). Um regresso à região saloia. Na estrada de Mafra para a Praia das Maçãs, quase parecemos estar a dezenas de quilómetros de Lisboa. Poucos carros e a paisagem do Atlântico a "dar-nos" um mundo diferente. Frescura, canaviais e mar alteroso. Ao longo da estrada para Sintra, ao passar por Colares, recordo o calafrio das manhãs de sábado de há quase 50 anos, quando tínhamos "de ir à praia" e me enregelava no areal, mesmo ao lado do Alto da Vigia.

No verão de 1974 fiz o percurso de elétrico entre Sintra e a Praia das Maçãs. Foi a única vez, ante o desespero do meu pai ("passamos a manhã nisto...") e o gáudio da minha avó Luzia, divertida com o enervamento do seu João. Eram os elétricos da empresa Sintra Atlântico, a mesma dos autocarros azuis e prata que todas as manhãs, de segunda a sexta, me levavam dos Quatro Caminhos ao palacete oitocentista onde existia a Escola Preparatória Conde de Sabugosa.








































O Alto da Vigia, um surpreendente ribat islâmico às portas de Lisboa. Este está identificado e em vias de estudo aprofundado. Falta o sítio do Monte Suímo, referido pelas fontes escritas. Será coisa para mais tarde, se um dia os militares deixarem a Serra da Carregueira.

ANGOCHE: 50 ANOS

Faz hoje 50 anos que o navio "Angoche" foi encontrado a arder, à deriva, ao largo de Moçambique. É o mais denso e persistente mistério na nossa história recente. O caso nunca foi explicado, persistindo as pontas soltas e as questões por explicar. Um ponto de situação é-nos dado em recente trabalho da "Visão":

https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2021-04-21-continua-por-resolver-o-ultimo-e-tragico-enigma-do-imperio-colonial-portugues/




sexta-feira, 23 de abril de 2021

FELLINI-ON-TAGUS

Durante todo o bendito dia (das 9 até depois das 18) tive este som como companhia:

https://youtu.be/RBUtBrk7yzo

Havia vento em Lisboa, o que quer dizer que no meu gabinete, virado a sul e sem obstáculos pela frente, tinha a sensação de estar num filme de Fellini (o cineasta que mais usou o som do vento).

Não vi o vento, mas Munch viu-o, há cerca de um século, por entre árvores de fruto.



 

quinta-feira, 22 de abril de 2021

CINCO ANOS JÁ?

Foi no dia 22 de abril de 2016, recorda o tal sr. facebook... Que não haja a mínima dúvida. Foi mesmo nesse dia, uma sexta-feira meio cinzenta. Um passeio simpático pelo centro de Moura. Os 45 minutos iniciais passaram a duas horas e meia, ante o desespero dos assessores e dos seguranças. Diverti-me imenso, posso garantir.

Deu direito a um pequeno livrinho, que remeti ao Presidente da República:

http://www.santiagomacias.org/AUTARQUIA/iCult/5_presidente.pdf




quarta-feira, 21 de abril de 2021

INOCÊNCIO X

Inocêncio X foi Papa entre 1644 e 1654. Por muito que a sua biografia seja brilhante, passará à História pela mão de dois pintores: Diego Velázquez (1599-1660) e Francis Bacon (1909-1992). Bacon faz citações, de Eisenstein e de Munch, e cria um alter ego do Papa. É a tela que o Joker não quer destruir, lembram-se?



terça-feira, 20 de abril de 2021

CORRIDA DE TOIROS - INVENTÁRIO NACIONAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL (DECLARAÇÃO DE APOIO)

Contactou-me esta manhã o António Tereno perguntando se estaria na disposição de apoiar esta iniciativa. Há coisas que nem têm discussão. O texto já seguiu para quem está a coordenar a iniciativa:

A defesa do Património Cultural não pode ser marcada por gestos de circunstância e ser posta em prática consoante as conveniências do momento. Não é de uma forma numa altura, e de outro modo noutra. Temos de dizer “presente!”.

A tauromaquia é, desde maio de 2012 e por proposta que subscrevi, Património Cultural de Interesse Municipal, em Moura. Estou, e estarei, na defesa deste nosso Património. Agora e para sempre.




BRUNO MONTEIRO - TERCEIRO ANÚNCIO

Aqui não é exatamente uma surpresa, mas a confirmação do nome. Que vem na sequência do trabalho de grande qualidade que o Bruno Monteiro, com a sua equipa, está a desenvolver na freguesia. Trabalhei de perto com o Bruno entre 2013 e 2017. Foi, de facto, um prazer. Ficámos amigos. Devo ao Bruno inúmeros testemunhos dessa amizade. Integrou-me bem no seu meio, coisa que não esquecerei.

Vamos a isto, Bruno!



segunda-feira, 19 de abril de 2021

AGORA VAI HAVER FERROVIA, OLÁ SE VAI!

Foi dito há pouco.

Que agora é que é. É que vai ser. Consegui ficar sério, ante tanto amor à ferrovia. Um clássico - o amor à ferrovia - ciclicamente repetido e ciclicamente adiado.

Quem usa o comboio é o Povo. Não é o Clero nem a Nobreza. A questão é essa.


DOMINGO, 28 DE JUNHO DE 2015

CAUSAS DA DECADÊNCIA DO INTERIOR DO PAÍS

Em agosto de 1984 assisti a um curioso episódio no ramal de Montemor-o-Novo. A automotora parou no meio de um descampado. O maquinista desceu e foi fechar a cancela da passagem de nível. Regressou à automotora. Avançámos mais um pouco. Nova paragem. Nova saída para abrir a cancela. O veículo retomou a sua marcha. Esta cena, quase neorealista, pertence a um passado esquecido.

A violenta redução da rede ferroviária de passageiros (v. imagem) reflete o abandono a que o interior do país foi votado. Entretanto, veio aquele papo fino europeu (programas integrados, nuts, interreg, investimento elegível, etc). Depois, o interior continuou a envelhecer e a despovoar-se. Sem retorno nem esperança. Hoje estamos como mostra o mapa. Daqui a uns anos, e a não haver investimento sério nestes territórios, estaremos pior. Nessa altura, virá, aposto!, a proposta de supressão/agregação de municípios. Para otimizar, outra palavra corrente no burocratês...

É só uma questão de tempo. E do habitual conformismo, e da habitual falta de coragem, do "arco do poder"...

sábado, 17 de abril de 2021

O RATO QUE RUGE

O  filme está hoje um pouco esquecido. Data de 1959 e foi realizado por Jack Arnold.

A ideia do filme é melhor que o seu desenvolvimento. De que se trata? Um pequeno e falido reino europeu resolve declarar guerra aos Estados Unidos. A mais que óbvia derrota traria a salvação do Grão-Ducado de Fenwick, que seria depois generosamente ajudado pela grande potência.

Uma espécie de manual político, poder-se-ia dizer.

Pontifica o genial Peter Sellers, que é, ao mesmo tempo, o estadista, o líder militar e a grã-duquesa.



sexta-feira, 16 de abril de 2021

O FUTURO DA MEMÓRIA: DIA 18, ÀS 18 HORAS

O Panteão Nacional é, pela sua vocação muito específica, um monumento guardião da memória. Aproveitemos este dia para uma discussão para matérias associadas a preservação da memória, num sentido mais lato. Não só a memória física dos monumentos e dos arquivos, das pedras e dos pergaminhos, mas abordando também os processos de manutenção da memória, nos seres humanos. Como fazemos e o que fazemos para combater o(s) apagamento(s) da memória?

É este o mote do debate que vai ter lugar no dia 18, via zoom:

https://zoom.us/j/95407903106?pwd=VkU2NVF2UEQrQmJsSVE5MlNjTGRsdz09




TIAGO BATISTA À AMARELEJA

As listas vão-se compondo, sob o signo da qualidade. Depois de André Linhas Roxas à Câmara, agora é Tiago Batista à Junta de Amareleja. Um jovem técnico com um marcado orgulho na sua terra. Em 2016 fomos os dois concorrentes ao mesmo prémio. Ganhou ele, justamente. Este ano também irá ganhar, mas noutro "jogo". É essa a minha convicção.



quinta-feira, 15 de abril de 2021

CALIMERO

Hoje é dia de recordar Calimero, um dos grandes heróis da infância de tantos de nós. O "é uma injustiça, eu sou pequenino" é, talvez, a mais célebre das suas tiradas. Lembro-me muitas vezes do Calimero. Sobretudo quando vejo adultos nesses preparos. Hoje, por exemplo, foi um desses dias. E não foi por causa de Sócrates...



quarta-feira, 14 de abril de 2021

LUZES E SOMBRAS, NA VOZ DO OPERÁRIO

Prossegue a minha peregrinação pela Freguesia de S. Vicente. Tento uma política de proximidade com as entidades locais. O Panteão é Nacional? Decerto que sim, mas é neste sítio que está e não noutro.

Parte da manhã "foi" na Voz do Operário, uma organização extraordinária e cheia de juventude. Deu direito a passagem pelo célebre salão e pelas escadas, cheias de luzes e de sombras, numa manhã fora de prazo.

Recebi um convite para uma muito significativa sessão, em maio. Lá estarei.



terça-feira, 13 de abril de 2021

BAUDELAIRE: 200 ANOS E 4 DIAS

Nasceu há 200 anos e 4 dias. Escreveu Les fleurs du mal. Um dos livros mais citados aqui no blogue. É o livro que Lord Henry Wotton (Paul Sanders) lê no filme The Picture of Dorian Gray, de Albert Lewin (1945). Já agora, o Dorian Gray novo é uma tela de Henrique Medina, então em plena glória hollywoodesca...

Baudelaire fala de um perfume exótico. Um exotismo com olhos europeus, tal como o de Gauguin.
















PARFUM EXOTIQUE


Quand, les deux yeux fermés, en un soir chaud d’automne, 
Je respire l’odeur de ton sein chaleureux, 
Je vois se dérouler des rivages heureux
Qu’éblouissent les feux d’un soleil monotone ;

Une île paresseuse où la nature donne
Des arbres singuliers et des fruits savoureux ;
Des hommes dont le corps est mince et vigoureux, 
Et des femmes dont l’œil par sa franchise étonne.


Guidé par ton odeur vers de charmants climats, 
Je vois un port rempli de voiles et de mâts
Encor tout fatigués par la vague marine, 

Pendant que le parfum des verts tamariniers, 
Qui circule dans l’air et m’enfle la narine, 
Se mêle dans mon âme au chant des mariniers.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

A NECESSIDADE DE "LISBOA ISLÂMICA"

Saiu anteontem, no "Público", um texto sobre a projetada exposição "Lisboa Islâmica". A qual me parece, ainda mais agora, absolutamente necessária.

Li algures que a hora é de tratar dos monumentos e que as exposições ficam para depois. Uma perspetiva que merece a minha rejeição. Mal de nós se estivermos à espera de recuperar edifícios para depois promover iniciativas de estudo e de divulgação... É bom que se perceba que um e outro aspetos são indissociáveis. Às vezes pergunto "mas onde diabo estudaram?".

Segue, mais abaixo, o texto que escrevi para o "Público".












Teve lugar no passado dia 8 a apresentação pública de um curto vídeo intitulado Percorrendo a cerca moura, que está disponível nas páginas do Gabinete de Estudos Olisiponenses no Facebook e no YouTube. O perímetro da cidade medieval anterior à Reconquista está bem definido desde o estudo que o genial Augusto Vieira da Silva (1869-1951) publicou, pela primeira vez, em 1899. A muralha pode ser revisitada e reconhecida mas, do ponto de vista físico, só alguns dos seus troços sobreviveram à passagem dos séculos. Da Porta do Ferro, a mais magnificente de todas, resta o sítio — sabemos que ficava no Largo de Santo António — junto à Sé e a descrição de Al-Himyari. Sabemos que era “encimada por arcos sobrepostos que assentam em colunas de mármore, por sua vez apoiadas em embasamentos de mármore”. A muralha ao longo do rio ora se esconde, ora aparece, em sítios como a Casa dos Bicos ou o Eurostars, um hotel com museu dentro. Há mais muralha na base da Igreja de Santa Luzia ou nas traseiras da Igreja do Menino Deus.

Os 20 mil habitantes que Lisboa teria no período islâmico faziam dela uma urbe importante. Mas não ao nível de uma Córdova ou de uma Sevilha.

Este percurso em volta das muralhas, retomado com a ajuda de um drone (o que não pode ser visto do solo é percorrido a partir do ar), constituiria parte de uma exposição sobre Lisboa Islâmica, da qual assumi o comissariado e que, sob a responsabilidade da Câmara Municipal, deveria ter sido montada em 2020. A pandemia falou mais alto e o projeto foi adiado. A exposição comportaria cinco núcleos: um sobre o território de Lisboa, outro sobre a cidade em si, um terceiro referente à conquista de 1147, mais um sobre os “prolongamentos” medievais e modernos (das mourarias aos contactos com a pirataria norte-africana), fechando com um setor final onde se conjugariam as imagens do castelo / coração de al-Ushbuna que nos são devolvidas pelas artes plásticas com a presença das comunidades muçulmanas atuais.

Rever a cidade islâmica, com drone ou sem ele, é importante? Decerto que sim, como a polémica em torno das ruínas na Sé de Lisboa veio, coloridamente, demonstrar. A investigação histórica e arqueológica sobre a cidade, conduzida pelo Gabinete de Estudos Olisiponenses, pelo Centro de Arqueologia de Lisboa, pela Direção-Geral do Património Cultural ou resultado de muitas intervenções realizadas no âmbito da arqueologia empresarial, alargaram em muito o conhecimento que temos da cidade islâmica. É, sobretudo, essencial relê-la de uma forma global, em termos territoriais. Não só a fortaleza em si, mas olhando mais além, e abrangendo na explicação do sítio os campos à sua volta, a riqueza do Tejo e o poder atrativo da mineração. Quantos lisboetas saberão da existência de um ribat (um posto fortificado na costa, onde se rezava e de se preparava o combate pela fé) no Alto da Vigia, junto à Praia das Maçãs? Quantos dos que passam pela Praça da Figueira sabem que, uns metros mais abaixo ficava um bairro ribeirinho, com ruas e casas ordenadamente dispostas? Ou que no perímetro militar da Serra da Carregueira havia minas descritas pelos autores do período árabe?

Mas uma cidade não é um somatório de escavações — por muito importantes que elas sejam para a explicação da Lisboa islâmica —, nem isso por si só nos dá uma leitura ampla da cidade. É certo que a redescoberta da cidade tem passado por essas intervenções, e por releituras como a tese, infelizmente pouco conhecida fora do âmbito académico, de Manuel Fialho Silva. Mas é importante ir mais além. Depois da Reconquista, a voz dos almuédãos foi esmorecendo, até desaparecer de todo no final do século XV. Mas, ainda assim, ao longo de mais de 300 anos, o árabe continuou a ser língua corrente em Lisboa. A lápide funerária de al-Abbas Ahmad, datada de 1398, é apenas mais uma evidência da presença da língua árabe e da religião muçulmana na mouraria da cidade. A expulsão da minoria moura não faria desaparecer o bairro da toponímia da cidade. Tal como não desapareceria uma permanente ligação ao outro lado do sul. Os contactos tornaram-se, de forma crescente, mais agressivos. A memória dos cativos, e os pesados resgates feitos no Norte de África, tornaram a ligação entre Lisboa e o mundo islâmico um domínio de afastamentos e de tensão.

Até há pouco tempo assim foi. A imagem de Lisboa islâmica resumia-se ao episódio da Reconquista, à recordação da mouraria e a algumas generalidades sobre “os árabes”. Por esse motivo, a exposição terminaria (terminará?) com um excerto do filme Lisboetas, de Sérgio Tréfaut. Numa improvisada mesquita, algures às portas da Mouraria, o imam recorda o passado da cidade e que, naquele mesmo sítio, há 500 anos, também se orava a Alá e que a realidade de Lisboa era outra. A prédica do imam, no meio de muçulmanos recém-chegados à cidade, leva-nos a um eterno retorno e quase ao ponto de partida. Imagens dessas comunidades ainda recentes no panorama de Lisboa dariam expressão física a uma realidade que se constrói em permanência.

Talvez valha a pena recordar que o príncipe Sigurd, ao passar por Lisboa no início do século XII, descrevia a cidade como meio cristã, meio pagã (no sentido de muçulmana, claro está). Nove séculos passaram. A diversidade faz parte da matriz de Lisboa. Está na hora de retomar e de clarificar esse discurso. Por esse motivo, mas não apenas por ele, é necessário que se retome o projeto de exposição sobre Lisboa islâmica.

domingo, 11 de abril de 2021

TEMPO DIFUSO

O dia vai claro e limpo, lá fora. Mértola está amena, como sempre. Não há onde ir, nem se deve sair assim à toa. Dias cada vez mais estranhos, e isto ameaça eternizar-se. A preocupação cresce.

Olha-se para fora e daqui a pouco é hora do regresso. Amanhã, sem visitantes, é o dia de maior sossego (ainda maior) no Panteão.

Estamos todos nestes dias um pouco como neste poema de Pessoa:

Começa a ir ser dia

Começa a ir ser dia, 
O céu negro começa, 
Numa menor negrura 
Da sua noite escura, 
A Ter uma cor fria 
Onde a negrura cessa. 

Um negro azul-cinzento 
Emerge vagamente 
De onde o oriente dorme 
Seu tardo sono informe, 
E há um frio sem vento 
Que se ouve e mal se sente. 

Mas eu, o mal-dormido, 
Não sinto noite ou frio, 
Nem sinto vir o dia 
Da solidão vazia. 
Só sinto o indefinido 
Do coração vazio. 

Em vão o dia chega 
Quem não dorme, a quem 
Não tem que ter razão 
Dentro do coração, 
Que quando vive nega 
E quando ama não tem. 

Em vão, em vão, e o céu 
Azula-se de verde 
Acinzentadamente. 
Que é isto que a minha alma sente? 
Nem isto, não, nem eu, 
Na noite que se perde.

Os dias, entre o difuso e o claro, fizeram-me também lembrar esta tela de Luís Noronha da Costa (1942-2020):



sábado, 10 de abril de 2021

XLVI - CRÓNICAS OLISIPONENSES

A imagem é de um comboio suburbano em Lagos, na Nigéria. Mas podia bem ser da Linha de Sintra. Tenho constatado isto, com muita regularidade, ao longo de meses. É mais evidente nas últimas semanas. O rácio população branca / população negra nos comboios está longe de refletir a realidade demográfica da sociedade portuguesa. Porquê? Não me parece que seja necessário um elaborado e complexo estudo para constatar, ao vivo, que os imigrantes africanos ou os portugueses de ascendência africana estão na base da escala remuneratória no nosso País.

Não tiro conclusões. Apenas constato factos.



BEIJOLAR OU NÃO BEIJOLAR, EIS A QUESTÃO...

A conversa já devia ter começado há uns bons minutos. Na verdade, era mais um monólogo que um diálogo. Quando me sentei no metro - estranhamente vazio às 8:15 - não reparei que a mulher estava agarrada ao telemóvel, com um tom de voz alterado. As acusações ao seu ex (ou quase ex) eram torrenciais. Algumas irrepetíveis. Mergulhei no jornal e desliguei. Fui "acordado" na estação dos Restauradores por um grito "Tu queres é ser beijolado! Mas eu não sou mulher para beijolar ninguém!"

Deve ser assim que a língua evolui. Imagino eu, que não sou linguista...




Lips - Andy Warhol (c. 1975)