Hoje,
25 de abril, é aquele dia que a direita detesta. Detesta mesmo, por mais que
tente disfarçar. E nos dias que correm já nem se esforça muito a disfarçar…
Hoje
não há tanques nas ruas. A rádio não foi tomada de assalto nem há comunicados
de tom marcial. Contudo, o golpe de estado está em marcha. Os manifestantes não
tomaram as ruas de assalto nem se ouve o rumor da turba. O aeroporto não foi
encerrado. Ainda assim, o golpe de estado está em marcha. A política foi tomada
de assalto pelos financeiros e pelos “mercados”, nome que hoje se dá à
especulação mais desenfreada e à agiotagem mais descarada. Como uma doença
fatal, o golpe de estado em curso foi-se instalando, corroendo a esperança e
minando a capacidade de luta.
Um
golpe de estado não precisa de seguir o modelo “africano” do 25 de abril –
toma-se a rádio, o aeroporto e cerca-se o palácio presidencial, que conquistada
a capital tudo o mais ruirá -, bastando-lhe, hoje, entrar no mundo obscuro da
administração e das leis. O golpe de estado está, portanto, em marcha.
É
uma vingança a frio e depois de décadas à espera. À boleia da crise, da
“troika” e dos “mercados” (ó meus deuses, outra vez os “mercados”…)
desmantela-se o que resta do 25 de abril. Com o aconselhamento de “cientistas
políticos”, com a complacência de venais autarcas da área do poder, com o voto
e o apoio de deputados carreiristas e sem coluna vertebral.
Conselheiros
de vária índole entretêm-se a espatifar o Poder Local. E digam o que disserem
os “comentadores” e os “especialistas” o País que somos e o progresso que
tivémos muitíssimo deve ao Poder Local. No vasto rol de medidas do secreto
golpe de estado entram as leis de estrangulamento financeiro e de controle
policial, os executivos monocolores, a diminuição dos lugares de vereadores, de
quadros dirigentes, a extinção de juntas de freguesia. É por causa da
“despesa”. Decerto. Compreende-se. Alguém tem de pagar os 5 mil milhões de
euros que os amigos do Presidente Cavaco Silva estoiraram no BPN (e que correspondem
a dois anos de orçamento para todas as câmaras do País)…
“A
política passou a ser uma tecnologia, uma moral, uma engenharia eleitoral”,
afirmou hoje na Assembleia da República o deputado Agostinho Lopes (PCP). Nessa
engenharia entram em jogo as novas leis, afinal um ajuste de contas que
transformará as câmaras municipais em meras repartições da vontade do Poder
Central. Muita gente, incluindo muitos autarcas de direita gostará disso, de
ver as autarquias reduzidas a um caráter assistencial, a entidades apoiantes da
caridadezinha e à execução de tarefas rotineiras.
Há
meses, alguém da área do Poder, antigo colega do liceu, dizia-me “vou a Moura
quando fores nomeado Presidente da Câmara”. Fiz-lhe notar o curioso lapso e
respondi “isso queriam vocês, que os presidentes fossem nomeados pelo governo,
como antes do 25 de abril”. A batalha seguinte é, portanto, essa: não só
impedir que leis imbecis avancem, como contribuir para que o Poder Local se
afirme e consolide.
Uma
pergunta, se me permitem: onde é que raio anda o Partido Socialista nestas
alturas?
Mértola,
25 de abril de 2012
Crónica escrita no dia 25 de abril e publicada em "A Planície" de dia 1 de maio
Algumas semanas depois deste texto ter saído li declarações de Vital Moreira, propondo a redução do número de eleitos nas assembleias municipais, o reforço de poderes deste orgão (fórmula encontrada para mascarar a carnavalada dos executivos monocolores) e, tremei!, a possibilidade das assembleias instaurarem inquéritos. Vital é dos que acham que a vida está dentro de compêndios de Direito e dentro das normas e da legislação. Também está, mas vai muito além disso. Pensar que se resolvem problemas com normas e comissões de inquérito daria vontade de rir se não fosse trágico.