Quatro
fragmentos cerâmicos existentes em Moura permitiram relançar o debate em torno
da toponímia local e colocar novas hipóteses sobre o nome antigo da cidade.
Moura conta-se no grupo dos sítios para os quais não dispomos de dados suficientes
no que à época romana diz respeito. A hipótese de uma correspondência entre
Nova Civitas Arucitana e Moura foi desmontada, há anos e de forma definitiva,
por José d’Encarnação.
A
ligação entre Julumaniya e Moura é um equívoco que remonta ao século XIX, e que
deu origem a erros como al-Manijah ou Yelmaniah. Se aceitarmos como válido o
texto de Ibn al-Faradi e a proposta que David Lopes produziu, fazendo a
islâmica Mura coincidir com a atual Moura, ligação hoje aceite de
forma generalizada, temos resolvida a toponímia posterior ao século XI.
As
peças acimas referidas, datadas do século VII e descobertas na Rua de Arouche,
na Primeira Rua da Mouraria e nas reservas do Museu Municipal, citam uma Ecclesia
Santa Maria Lacantensis. Ou seja, de uma igreja consagrada a Santa Maria,
numa localidade denominada Lacant ou Lacanta. A concentração de
peças num só sítio permite supôr que o nome romano ou tardo-romano de Moura
seria esse.
Este
dado vem abrir novas possibilidades de explicação para a localização de um
topónimo islâmico (Laqant) e para o qual se têm esboçado várias teorias. As
referências a Laqant surgem, quase sempre, com a exceção do oriental Yaqut, em
textos antigos, reportando-se a acontecimentos cuja cronologia não ultrapassa o
período califal.
O
que nos dizem as fontes sobre Laqant? E quem são os autores que ao sítio se
reportam?
Ibn
Idhari (inícios do século XIV) refere, pouco depois de meados do século
VIII uma revolta, que teria tido lugar em Beja ou em Laqant e que teria sido
conduzida por Ala b. Mughit al-Yassubi. No final do século VIII, ao
mencionar-se uma campanha militar conduzida por Abu Ayyub Sulayman, refere Ibn
Hayyan (séculos X-XI) a retirada que este teria feito para o “país de Firris e
Laqant”. Os textos diferem um tanto sobre o início da revolta. Ibn al-Athir
(séculos XII-XIII), retomando a interpretação do Fath al-Andalus
escreveu: “(...)Ala b. Mughit al-Yassubi passou da Ifriqiya
(Tunísia) à cidade de Beja, no al-Andalus, onde arvorou a cor negra dos
Abássidas e fez fazer a hutba (prédica) em nome de al-Mansur. Numerosos aderentes
se lhe juntaram rapidamente”. Segundo outra versão, a do Behdjat en-nefs,
al-Ala ter-se-ia revoltado num local chamado Laqant, pertencente à kura
de Mérida, tendo depois marchado sobre Beja e tornado-se senhor de todo o oeste
da Península. A localização não era segura, tendo-se feito coincidir, durante
muito tempo, Laqant com a zona de Fuente de Cantos, perto de Mérida, e Firris
com Castillo del Hierro, nas serranias a oriente de Sevilha.
Foi
dessa região que sairam movimentos tão importantes como o que terá tido origem
em Laqant, referido expressamente como fazendo parte do “cantão de Beja” (Ibn
Idhari). Esta região juntou-se a Sulayman b. Martin em 835 d.C. para fomentar
uma revolta que assolou todo o território de Beja. A importância estratégica de
Laqant levou os vikings, na invasão de 844 d.C. a enviar destacamentos para este sítio, bem
como para Firrish, Moron e Córdova.
Nesta
zona, cerca de 50 quilómetros a leste de Beja, e no limite oriental do seu
território, as ligações familiares e a componente mullawad (muçulmanos
de origem local) continuam a marcar presença preponderante. Ibn Hayyan assinala
a revolta de Faraj b. Hayr al-Tutaliqi, que se rebelou em 848-849 d.C. contra o emir Abd al-Rahman II a partir de Aroche
e de Dnhkt, topónimo não identificado. Pode tratar-se de um problema de
transcrição e a referência reportar-se a Laqant e não a Dnhkt. Vencido
pelas tropas do emir, põe-se ao serviço deste e é nomeado para diversos cargos,
nomeadamente o de governador de Beja.
É
ainda o sítio de Laqant que o califa Abd al-Rahman III coloca sob o comando de
Abd al-Malik b. al-Asi, jurisdição que passaria, anos depois, para Abd
al-Rahman b. Muhammad b. al-Nazzam.
Perto
do final do século X, Laqant era ainda referida como kura (algo semelhante a um distrito): “en
el jumada de este año [362 h., ou seja, entre outubro de 972 e outubro de 973),
salió el sahib al-radd Abd al-Malik ibn Ibn al-Mundhir Ibn Said a las coras
occidentales – que son: Ferris, Laqant, Sevilla, Niebla, Carmona, Morón, Ecija
y Sidonia – en visita de inspección (...)”. Pela mesma época, e numa história
da conquista da Península, é feita a seguinte referência explícita quando se
fala da rota seguida pelas tropas: “después de Sevilla se fué a Lacant (es
decir) a un lugar que se llamó “el desfiladero de Musa” en las cercanías de
Lacant, en dirección a Mérida”.
Ou
seja, a Lacant do século VII corresponde, segundo aqui se propõe, à Laqant dos
textos islâmicos. A mutação do nome, ocorrida presumivelmente nos século X-XI,
tal como sucedeu noutros sítios do Garb, como Ocsónoba, justificaria o
esquecimento do nome antigo e a “criação” de um novo topónimo.
Texto
preparado a partir da publicação “Castelo de Moura – escavações arqueológicas”
(autoria conjunta com José Gonçalo Valente e Vanessa Gaspar) e que retoma um
artigo publicado em “A Planície” no dia 15.7.2012.
Artigo publicado hoje em "A Planície"
3 comentários:
Bem visto. Aceite a identificação entre as duas, ou, pelo menos, entre os territórios respectivos, isso não vai sem criar um outro problema: porquê há tantos lugares que mudam de nome pela mesma época, ou porquê alguns são abandonados em proveito de outros ?
Abraço
Luís Filipe
E aqui entra noudar... no vale em direcção a Mérida?
É uma possibilidade, a de Noudar.
Quanto à mudança de nome, não faço ideia, mas a verdade é que é no século XI que as mudanças se processam.
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