Há
pessoas que imaginamos como eternas. Temos a certeza, mas a certeza mesmo, que
nunca sairão da nossa vida, e que estarão numa qualquer esquina da nossa terra.
O Dr. Alberto era uma dessas pessoas. Lembro-me dele, era eu ainda muito
pequeno, quando ele já andaria perto dos 40. Parecia-me uma pessoa velha
porque, quando somos pequenos, todos os que passaram da adolescência são
velhos. O meu pai acompanhava, com frequência, o Dr. Alberto nas suas saídas ao
campo, ajudando-o nas tarefas de vacinação dos animais. Numa tarde, e segundo
relatos fidedignos, bateram ambos o recorde mundial de salto em altura, ao
serem perseguidos por um pouco amigável touro bravo, na Herdade da Galeana.
Às vezes,
muito raramente, admitiam garotos como eu nesse círculo. Com tanto de
profissional, como de fraterno. Foi assim que passei pelas emoções fortes de um
pneu de um carocha rebentado na reta do Sobral, com o carro aos ziguezagues,
até parar. E pelo atropelamento de que fui vítima por um leitão furioso por ter
sido vacinado, que me atirou, patas ao ar, num monte algures. Devo essas
impressivas recordações ao Dr. Alberto. E dou graças à “irresponsabilidade”
paterna, que me arrastava, em horas de escola e ainda que com conhecimento da
D. Jacinta, por esses caminhos improváveis.
Momento
altos? Houve vários. Talvez o mais inesquecível tenha sido em 1984, quando
chamaram o Dr. Alberto para anestesiar uns cavalos. Rodava-se, em Noudar, o
filme “A moura encantada”, de Manuel Costa e Silva. Numa das cenas, havia uma
batalha e havia cavalos mortos. O Dr. Alberto foi chamado para os por a dormir.
Deu-me depois boleia para Moura. Onde cheguei, tardíssimo, e depois de uma
deambulação por inúmeros sítios. Ele estava capaz de recomeçar o dia, eu mais anestesiado
que os cavalos...
Fui encontrando, a espaços, e até há muito pouco, o Dr. Alberto
nas mais variadas circunstâncias. A vida não alterou nem a sua bonomia, nem a
sua generosidade. Nem a sua amizade pelos Forcados de Moura, que o tinham como
homem de grande respeito. Nem a energia. O encontro era selado com um sonoro
“Don Santiago!”, a que se seguia um abraço que me deixava as costas em mau
estado. Vou ter saudades, para sempre, dessa saudação.
Escrevi, em dezembro de 2011, quando lhe foi atribuído o título de
“mourense do ano”: “o Dr. Alberto, como é popularmente conhecido, dedicou toda
a sua vida à medicina veterinária, numa atividade que teve, ao longo de muitas
décadas, tanto do profundo conhecimento técnico quanto de sacerdócio e de
entrega ao próximo. Simpático e dotado de rara simplicidade, é figura
popularíssima no concelho de Moura, e muito para lá das suas fronteiras,
conseguindo a rara proeza de gerar um amplo consenso entre os mais diversos
setores sociais e políticos da nossa terra”. Poderia repetir hoje tudo isso e
acrescentar uma faceta da sua personalidade, que sempre me causou funda
perplexidade. Tinha uma memória extraordinária, que lhe permitia fixar centenas
de números de telemóveis e dizer, de cor, o plantel da equipa de futebol xis de
1968. Dizia-me um familiar, com um sorriso já de saudade, naquela tarde em que
me fui despedir do Dr. Alberto, “é claro que depois nunca se lembrava da
matrícula do seu próprio carro...”.
Fixar a memória daqueles que tanto se entregaram a uma terra é
obrigação de todos nós. Fazê-lo através de um nome de rua, pode ser honroso,
mas nunca me pareceu grande solução, por banal. Perpetuar o nome dos que, como
Alberto Fernandes, tanto trabalharam para tantos, a todos deve dizer respeito.
Creio que a atribuição de uma bolsa de estudos, com o seu nome, destinada a
estudantes de veterinária do nosso concelho, seria uma forma apropriada de
celebrar a carreira de Dr. Alberto Fernandes. Seria uma iniciativa que tomaria,
estando num lugar (Câmara Municipal ou Junta de Freguesia) onde essa capacidade
de decisão me coubesse.
Texto publicado em "A Planície". Fotografia do facebook do amigo Luís Lança.
2 comentários:
Amigo Santiago bonitas palavras e recordaçoes para esse Grande Senhor Grande Homem Grande Médico Vetrenàrio que foi e continuarà a ser o DR.Alberto Alves Pereira Fernandes
Memorias que nunca se apagam das nossas Memorias e eu que o Diga que passei com O DR.Alberto 5 anos dos quais guardo todos os bons e maus momentos que passamos juntos tantas historias teria para contar mas deixo aqui so uma quem nao conheceu o Bento Da Encarnaçao Valente Mais conhecido( Bento Da Botelhinha) um dia o Homem estava tao aflito que telefonou ao DR.Alberto Dotor dotor venha de pressa Dr Alberto porquem essa pressa toda Bento Sabe dotor os leitoes estao com cagueta e eu tambem!estas e muitas mais que passei com ele estao sempre na minha memoria e gravadas no meu Coraçao,Forte Abraço Santiago.
Nos fins de semana, depois de inúmeras horas de trabalho, quando havia festa nas aldeias, não falhava uma. Vestido a rigor, tal como vinha do seu precioso trabalho, aparecia nos bailaricos e romarias para ser compensado de um dia longo "de consultas" e estar com os seus amigos, que tinha por toda a parte e que tanto lhe fazia prazer.
Gente boa não se esquece. Obrigado Dr Alberto por tudo o que fez .
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