terça-feira, 27 de março de 2012

NATUREZA MORTA Nº 4


Enquanto a Noite, a Folhagem

Enquanto a noite paira e obscura
olha quem a pede ou nela já gravite,
dorme a folhagem, calma, e o seu sossego
– tal um deus a empunhar um leque bem aberto –
é uma frondosa auréola que deslumbra.

Enquanto a noite singra em seus domínios,
em seus renques de sombra, em suas mãos
de lisas, fulminantes lâminas,
alastra a folhagem sua íntima
rede de suster a dor humana.

Enquanto ergue a noite os seus andaimes,
suas paredes densas de negrume,
agita se a folhagem como parte
da liberdade posta num estandarte
ou num regato – centro da frescura.

Enquanto a noite avança e faz sua descida
até ao respirar da morte, ao escurecer do tempo,
a verde cabeleira (já explodida
em cada novo cio de primavera)
vem junto a nós marcar o seu encontro.

Enquanto a noite pesa ou é a bruma
(um óleo de subtil e estranha guerra),
respira a folhagem que circula
entre o clamor do sim que está em tudo
e o sabor do fim que sobrenada.

Enquanto a noite vem, vem a folhagem
dar luz à própria noite e não a larga.


Não tenha a certeza que esta natureza-morta, com um prato de fruta e um bandolim, de Juan Gris (1887-1927) tenha uma ligação direta com o poema de João Rui de Sousa (n. 1928). A não ser pelo facto, pessoal, de ver um tom noturno na maior parte das naturezas-mortas.

1 comentário:

Lucrecia disse...

Havia perguntado se haveria outra coleção. Que desatenção. Perdoe-me.
Claro que há. Vou colecionar esta também. Começarei amanhã porque hoje estou com sono.Não dá pra pesquisar no blogue. Não posso me esquecer das poesias... amanhã...