segunda-feira, 5 de novembro de 2012

MOURA INVISÍVEL


Não, a imagem não é de Moura. A de Moura está mais abaixo. Como se pode ler na legenda é uma proposta elaborado para a Costa da Caparica. O seu autor, Cassiano Branco (1897-1970), é um dos nomes mais interessantes da arquitetura portuguesa dos anos 30, 40 e 50.

A citação tem a ver com as cidades que nunca existiram. Um pouco como as cidades invisíveis, de Italo Calvino. Em todas as instituições há projetos que, pelas mais diversas razões, nunca se concretizaram. As Câmaras Municipais não escapam a essa regra. Existem no arquivo da Câmara de Moura projetos que se converteram, com o passar dos anos, em verdadeiras curiosidades. Como uma proposta de urbanização, concebida no final dos anos 30, para os terrenos onde hoje se encontra a Escola Secundária. Ao estilo da época, e bem na senda do conceito fascista de cidade, alamedas e avenidas (a Doutor Oliveira Salazar terminava na Praça General Carmona) cruzam-se, num desenho fora da escala de Moura.

Em tempos lancei o desafio no Departamento Técnico no sentido de se fazer um estudo sobre a cidade invisível e sobre os projetos que nunca se concretizaram. Pode ser que um dia alguém pegue no tema.

Excerto do livro de Italo Calvino:
Em Eudóxia, que se estende para cima e para baixo, com vielas tortuosas, escadas, becos, casebres, conserva-se um tapete no qual se pode contemplar a verdadeira forma da cidade. À primeira vista, nada é tão pouco parecido com Eudóxia quanto o desenho do tapete, ordenado em figuras simétricas que repetem os próprios motivos com linhas retas e circulares, entrelaçado por agulhadas de cores resplandecentes, cujo alternar de tramas pode ser acompanhado ao longo de toda a urdidura. Mas, ao se deter para observá-lo com atenção, percebe-se que cada ponto do tapete corresponde a um ponto da cidade e que todas as coisas contidas na cidade estão compreendidas no desenho, dispostas segundo as suas verdadeiras relações, as quais se evadem aos olhos distraídos pelo vaivém, pelos enxames, pela multidão. A confusão de Eudóxia, os zurros dos mulos, as manchas de negro-de-fumo, os odores de peixe, é tudo o que aparece na perspectiva parcial que se colhe; mas o tapete prova que existe um ponto no qual a cidade mostra as suas verdadeiras proporções, o esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes.


É fácil perder-se em Eudóxia: mas, quando se olha atentamente para o tapete, reconhece-se o caminho perdido num fio de carmesim ou anil ou vermelho amaranto que após um longo giro faz com que se entre num recinto de cor púrpura que é o verdadeiro ponto de chegada. Cada habitante de Eudóxia compara a ordem imóvel do tapete a uma imagem sua da cidade, uma angústia sua, e todos podem encontrar, escondidas entre os arabescos, uma resposta, a história de suas vidas, as vicissitudes do destino.

Plano de J. Mendes de Oliveira (junho de 1939)

1 comentário:

José Francisco disse...

É de fato curioso. Tenho conhecimento de um outro datado de 1928, este um ante projeto da autoria do arquitecto Jorge Segurado que previa a construção de uma Praça mais ou menos a meio da atual Rua das Terçaria da qual partia uma Avenida até junto de uma rotunda situada em frente à estação, "rasgando" a meio a atual Rua São João de Deus, Rua do Amparo, Fé, Esperança e Caridade.
A Avenida teria o Nome de "Avenida de Salúquia", a Praça "Praça da Republica" e a rotunda dava acesso à Avenida do Parque que vinha da direcção da estrada de Barrancos.Este ante projecto além de várias demolições comtemplava ainda o desaparecimento da Ruinha do Terço e contrução de novas artéria que ligariam a Praça da Republica à Rua Garcia Peres.O Edificio dos Quartéis ficaria então apenas com acesso por uma pequena artéria.