Não
te deves ter dado conta que já não regressas. Os fins-de-semana são agora um
pouco mais festivos, com os amigos de há vinte anos e que, ainda não o sabes,
serão os mesmos daqui a trinta. Estas vindas hão-de espaçar-se. Desaparecerão
de vez ou não, consoante a tua vontade. E segundo se afirme, ou não, a ligação
à pátria de origem. Mas regressar mesmo, como eu pude fazer, é coisa que te
está vedada. No meio do tempo, talvez percas o sotaque de origem. A influência
materna é decisiva, e por isso o teu sotaque é menos vincado. Abres os eee,
como é caraterístico de Mértola. Mas pouco mais.
Fiquei
um pouco surpreendido que tivesses escolhido a área de informática. Nunca
pensei que fosses para Ciências Humanas, claro está. O ambiente caseiro pouco
contou e levaste a sério (demasiado a sério?) um espírito de liberdade e de
independência que temos como lei fundamental. A Faculdade de Ciências fica a
curta distância do sítio onde vivi, quase dia e noite, durante mais de quatro
anos. Ainda não percebi, mas ainda é demasiado cedo para isso, por onde vai o
teu caminho e o que quererás fazer na vida.
O
concelho onde nasceste perdeu, nos últimos cinquenta anos, 75% da população que
tinha. Sim, leste bem, 75%. Não ligues a demagogias de momento. A culpa não é
da Câmara PS, tal como antes a culpa não foi da Câmara CDU. Precisamos de um
pouco mais do que de momentâneas demagogias para explicar o que se passa no
interior deste nosso País.
A
tua casa é, agora, na Calçada do Poço dos Mouros. A calçada é uma mistura
magnífica de ucranianos, guineenses, paquistaneses, brasileiros, indianos, sei
lá que mais… O teu prédio é mais português. Com senhoras gordas e com varizes,
com reformados que fumam e pigarreiam, com gatos, com gente que nunca dali saiu
e para quem o universo não deve ir muito além da Morais Soares. O teu prédio é
nessa Lisboa remediada que Lobo Antunes, melhor que ninguém, soube entender.
Por
agora, a tua existência é um vaivém semanal ou quinzenal, acompanhado, na mais
genuína tradição das mães portuguesas, por excursões de marmitas com comida,
cujo destino tenho por duvidoso.
Para
já, o teu quotidiano é isso. Uma revoada de fotocópias e de apontamentos, aulas
e senhoras gordas que arfam ao subir as escadas, as guineenses que se bamboleiam
Calçada do Poço dos Mouros abaixo, o olhar atento dos paquistaneses tomando
conta da mercadoria, a tua pequena república de mertolenses, as marmitas de
comida caseira e os telefonemas que pouco fazes. De certezas, só tenho uma,
Manuel. A de que já não regressas.
Crónica publicada na edição de ontem do jornal "A Planície"
3 comentários:
SM, revejo-me neste teu divagar mas espero, sinceramente, voltar um dia. Ah! O sotaque calêro não o perdi... e creio que não o vou perder!!!
Espero que o Manel vá arranjando tempo para de quando em vez continuar a cortar as águas do Guadiana e quiça do Tejo.
Desejo tudo de bom amigo Manel!
Um abraço de Boa Sorte!
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