Nunca achei
graça às anedotas sobre os alentejanos, tal como nunca as anedotas sobre Samora
Machel me arrancaram o mais leve sorriso. As primeiras trazem consigo laivos de
superioridade em relação ao povo que nós somos. Seremos, supostamente, lentos,
pouco inteligentes, pouco trabalhadores. Pior é o racismo rasca que, anos a
fio, flagelou o falecido presidente moçambicano. Aí era uma raiva de um falhado
colonialismo que se manifestava. Machel pereceu num trágico acidente de avião e
os colonialismos quase passaram à História. O racismo ainda não desapareceu.
Muitas vezes surge travestido de outras formas, mas não desapareceu.
O tema da
crónica foi-me sugerido por esta fotografia. Conheço a miúda da fotografia e
pedi-lhe autorização para a reproduzir. A imagem é banal. Talvez sejam menos
vulgares o ar de absoluta descontração e felicidade da Maria, que é portuguesa,
e do Lamine, que é senegalês. Não interessa onde estão, nem porque fizeram a
fotografia. Tanto quanto sei, nem namorados são. O que me interessa é o ar de
paz que a fotografia transmite.
Tive um colega
na faculdade que me dizia que não era racista. Proclamava-se “racialista”. Ou
seja, dizia que as raças eram diferentes, não havia raças superiores ou
inferiores. Porém, não se deviam misturar. Para manterem a sua identidade. Ao
longo de quatro anos não consegui que me explicasse a diferença entre racismo e
racialismo. Tal como nunca consegui que me explicasse que o português que se
fala em África não é o “nosso”, mas o “deles”. Três décadas passadas, continuo
a achar que racismo e racialismo são uma e a mesma coisas. Tal como tenho a
certeza que há apenas uma única Língua Portuguesa, interpretada de muitas
formas, com muitas sonoridades e com muitos e diferentes perfumes. Ouvir dizer
em Bolama “mim falar português” ou alguém afirmar algures no concelho de
Mértola “isso é pra mim fazer” são apenas formas de dizer que estão longe de um
padrão. Seja lá isso o que for…
Ao fim de tantos
anos, coisas com esta fotografia e a amizade daltónica da Maria e do Lamine,
enfatizam uma certeza já antiga. Não odeio os racistas, os racialistas ou os
supremacistas. Tenho pena deles. Muita pena, mesmo. Ao mesmo tempo que sublinho
outra convicção. É necessário combatê-los com fervor. Não com armas, mas com o
alargar de um mundo multicultural e multirracial. Uma prática política mais
difícil de colocar em prática do que de enunciar.
Publico esta
fotografia hoje, que é Dia da Criança. Com a certeza que as novas gerações são
melhores, mais abertas e mais fraternas que a minha. A esperança no futuro é acreditar nos mais
novos. E eu tenho esperança no futuro.
Crónica publicada em "A Planície" de 1.6.2016.
1 comentário:
Muito bem.
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