sexta-feira, 3 de junho de 2016

FUTURO

Nunca achei graça às anedotas sobre os alentejanos, tal como nunca as anedotas sobre Samora Machel me arrancaram o mais leve sorriso. As primeiras trazem consigo laivos de superioridade em relação ao povo que nós somos. Seremos, supostamente, lentos, pouco inteligentes, pouco trabalhadores. Pior é o racismo rasca que, anos a fio, flagelou o falecido presidente moçambicano. Aí era uma raiva de um falhado colonialismo que se manifestava. Machel pereceu num trágico acidente de avião e os colonialismos quase passaram à História. O racismo ainda não desapareceu. Muitas vezes surge travestido de outras formas, mas não desapareceu.

O tema da crónica foi-me sugerido por esta fotografia. Conheço a miúda da fotografia e pedi-lhe autorização para a reproduzir. A imagem é banal. Talvez sejam menos vulgares o ar de absoluta descontração e felicidade da Maria, que é portuguesa, e do Lamine, que é senegalês. Não interessa onde estão, nem porque fizeram a fotografia. Tanto quanto sei, nem namorados são. O que me interessa é o ar de paz que a fotografia transmite.

Tive um colega na faculdade que me dizia que não era racista. Proclamava-se “racialista”. Ou seja, dizia que as raças eram diferentes, não havia raças superiores ou inferiores. Porém, não se deviam misturar. Para manterem a sua identidade. Ao longo de quatro anos não consegui que me explicasse a diferença entre racismo e racialismo. Tal como nunca consegui que me explicasse que o português que se fala em África não é o “nosso”, mas o “deles”. Três décadas passadas, continuo a achar que racismo e racialismo são uma e a mesma coisas. Tal como tenho a certeza que há apenas uma única Língua Portuguesa, interpretada de muitas formas, com muitas sonoridades e com muitos e diferentes perfumes. Ouvir dizer em Bolama “mim falar português” ou alguém afirmar algures no concelho de Mértola “isso é pra mim fazer” são apenas formas de dizer que estão longe de um padrão. Seja lá isso o que for…

Ao fim de tantos anos, coisas com esta fotografia e a amizade daltónica da Maria e do Lamine, enfatizam uma certeza já antiga. Não odeio os racistas, os racialistas ou os supremacistas. Tenho pena deles. Muita pena, mesmo. Ao mesmo tempo que sublinho outra convicção. É necessário combatê-los com fervor. Não com armas, mas com o alargar de um mundo multicultural e multirracial. Uma prática política mais difícil de colocar em prática do que de enunciar.

Publico esta fotografia hoje, que é Dia da Criança. Com a certeza que as novas gerações são melhores, mais abertas e mais fraternas que a minha.  A esperança no futuro é acreditar nos mais novos. E eu tenho esperança no futuro.


Crónica publicada em "A Planície" de 1.6.2016.